São Paulo, domingo, 02 de maio de 2004

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Bancada pela usina de idéias italiana Fabrica, equipe registra vida da população brasileira que vive na beira das estradas

Projeto busca em estradas a imagem da margem

SÉRGIO DÁVILA
DA REPORTAGEM LOCAL

Não fica mais globalizado que isso. Bancada por dinheiro da segunda maior empresa italiana do mundo e apoiada por uma usina de idéias criada por um fotógrafo internacional, uma equipe de dois mineiros e um argentino percorreu 20 mil km de estradas brasileiras para registrar a população que vive na margem delas.
São borracheiros (muitos), índios (muitos, também), caminhoneiros, prostitutas, filhas de prostitutas, sem-terra, trabalhadores de hotéis e pensões, registrados em duas viagens, em 2003 e em abril último, ao longo de um trajeto que sai de e termina em Belo Horizonte e passa por Minas Gerais, Bahia, Pernambuco, Piauí, Maranhão, Alagoas, Sergipe, Rio de Janeiro e São Paulo.
O projeto tem o nome provisório de "Margens - Volte Sempre". Ao todo, foram feitas 2 mil fotos em Polaroid, gravadas 100 horas de vídeo e seis horas de cinema, sempre pelas mãos de Leandro HBL (é como ele assina), Amiten (idem) e o argentino Andres Reymondes. O que vão virar as imagens, sons, textos e desenhos captados nem o patrocinador sabe.
E o patrocinador é a Fabrica, usina de idéias bancada pela multinacional italiana Benetton, em Treviso, na região do Vêneto, um dos pólos mais criativos da Europa, que todo ano seleciona menos de uma dezena de jovens do mundo inteiro para lá estagiar.
Neste ano, o único brasileiro é o mineiro Leandro HBL, ou Leandro Henrique Bezerra Lara, 27, o idealizador e coordenador de "Volte Sempre", que conseguiu convencer os italianos a bancarem um projeto de R$ 150 mil que deve virar um livro-diário e um documentário longo em DVD.
"A idéia original era sair ao acaso e ir registrando", conta HBL. "Depois, resolvemos limitar ao contato com as populações que vivem nas margens das estradas brasileiras". Para seu companheiro Amiten, na verdade o diretor de curtas Rodrigo Trindade Neto, 33, tão importante quanto o registro foi a interação entre pesquisadores e pesquisados.
Há de tudo. Da aldeia de índios bêbados, no caso os kiriri, cujo cacique a equipe encontrou jogado no acostamento da estrada que passa por Nova Canudos, na Bahia, ao pequeno bairro que reúne apenas prostitutas e seus filhos, que parecem bastante em paz com a profissão materna, em Jequié, também na Bahia.
Houve momentos engraçados, como quando foram confundidos primeiro com olheiros do programa de Silvio Santos, depois com uma equipe do programa "Fantástico", e tiveram de lidar com uma multidão de 200 pessoas que se reuniu na praça de Rio Novo (MA), todos querendo ser atores.
Perigosos, caso da batida que participaram com a Polícia Militar atrás de vendedores de animais silvestres em Itatim, na Bahia -sendo que os policiais foram avisados da atividade ilegal na beira da estrada pela própria equipe, que ainda teve de ceder seu carro para a blitz.
E tocantes, como o da senhora que, sem terra, ara no acostamento ao longo de uma rodovia federal, colocando os cravos que cultiva para secar no próprio asfalto.
"Volte Sempre" começou em 1995, quando o fotógrafo Oliviero Toscani, irascível italiano de idéias desconcertantes, que criou a polêmica revista "Colors" e a própria Fabrica, veio ao Brasil dar uma entrevista ao programa "Roda Viva", da TV Cultura.
Corta para 2003, quando HBL, já proprietário de um estúdio mineiro de sucesso, o Mosquito, resolve bater nas portas da Fabrica e pedir um estágio. "Não passei nem pelos seguranças", lembra. Enquanto afogava as mágoas num boteco por ali e via seus próprios vídeos no laptop, entre eles o protótipo do projeto, atraiu a atenção de uma mulher.
Ela se revelaria a diretora da área de vídeo da Fabrica. HBL ganhou o estágio e, com ele, o direito de desenvolver o projeto. Só os buracos que a equipe enfrentou nas estradas dariam para encher um livro -e provavelmente vão.


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