São Paulo, sábado, 2 de maio de 1998

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Juízes e advogados dizem que furtar por fome não é crime

da Reportagem Local

Juízes e advogados ouvidos pela Folha afirmam que os saques realizados no Nordeste podem ser enquadrados na situação de furto famélico, em estado de necessidade, prevista no Código Penal.
"A situação no Nordeste está feia e isso (o saque) pode se justificar em casos extremos, quando um grupo de pessoas pega os alimentos para comer. E isso não é crime", diz o juiz criminalista de São Paulo Dirceu Aguiar Dias Cintra Júnior, presidente da Associação de Juízes para a Democracia.
De acordo com Cintra Júnior, o caso dos saques expõe o conflito entre o direito à vida e o direito à propriedade dos alimentos. "E é lógico pensar que o direito à vida se sobrepõe ao de propriedade", diz o juiz.
Os juízes e advogados ouvidos ressaltaram, porém, que deve haver critérios na definição do estado de necessidade e nos limites do saque.
Para o advogado Jairo Fonseca, "se os saqueadores entram em um supermercado, pegam arroz e aproveitam para levar mais alguma coisa supérflua, já não se enquadram nessa circunstância".
"Um professor meu na faculdade costumava dizer que o furto famélico ocorre quando o sujeito furta um pão sem manteiga. Com manteiga ele já dizia que não é", diz o advogado criminalista Arnaldo Malheiros Filho.
Segundo o advogado, "em princípio o saque é um crime, mas ninguém pode obrigar as pessoas a morrer de fome".
Para o juiz da Seção de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo Antonio Celso Aguilar Cortez, o governo deveria se organizar e distribuir os alimentos que estão estocados nos armazéns. "Não dá para admitir que o governo mantenha estoques para regular o preço dos alimentos enquanto a população está passando fome", diz. (ANDRÉ MUGGIATI)



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