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LETRAS JURÍDICAS
Sérgio e Luís
WALTER CENEVIVA
da equipe de articulistas
As leis são regras hipotéticas, de aplicação geral, mas
sempre referíveis ao ser humano, sua vida e seus atos.
Por isso mesmo, certos eventos
levam à especial valoração
das pessoas envolvidas quando pensadas em face da lei. É
o caso das mortes de Sérgio
Motta e Luís Eduardo Magalhães, cujos efeitos políticos
foram discutidos, sem muita
cerimônia, desde os velórios e
cujas consequências -e, melhor ainda, cujas pertinências- jurídicas são transponíveis para o plano constitucional, com maior serenidade.
Em face da Constituição, as
mortes do ministro e do deputado sugerem a reavaliação
do importante papel que ambos vinham tendo no Estado
Democrático de Direito, indicado no artigo 1º da Carta, no
qual os atores do entendimento entre contrários são essenciais, permitindo aos mais habilidosos e qualificados a condição de líderes de suas correntes.
Nem sempre o povo compreende o aperto de mão dos
contrários. Mas é e deve ser
assim no pluralismo político
de nosso regime constitucional, que o inclui entre os fundamentos da democracia nacional, no inciso 5 do artigo
1º. A livre e harmônica existência comum de mais de
uma corrente de pensamento
partidário caracteriza o pluralismo político. Aquilo que é
genérica hipótese constitucional ganha vida e se aquece no
esforço de preenchimento dos
espaços deixados com a morte
de duas figuras tão diversas
como o ministro e o deputado.
Parece razoável dizer que a
amplitude maior da hipótese
nasce com a plena liberdade
na criação, fusão, incorporação e extinção dos partidos
(artigo 17 da Carta), preservados a soberania nacional, o
regime democrático, o pluripartidarismo e os direitos fundamentais.
Retomando os últimos anos
da vida de Luís Eduardo e de
Sérgio verifica-se, porém -e,
certamente, não por culpa deles-, uma quebra na regra
constitucional contida no artigo 2º, no qual se lê que os
poderes da União são independentes e harmônicos entre
si. São no papel. Na realidade
o Executivo prepondera. Por
isso, o ministro podia ter a
força do trator. Exercia uma
parte da administração federal, auxiliar direto do presidente da República (artigo 84
da Constituição). É verdade
que os ministros são demissíveis segundo o exclusivo juízo
do presidente, mas nesse campo o texto constitucional não
espelha as influências possíveis. O ministro amigo de longa data, sócio e companheiro
do chefe do Executivo, assume
qualidades e forças que lhe
outorgam especial posição em
face dos interlocutores.
Os deputados cumprem a representação de seus eleitores,
com inteira liberdade, mas,
no Brasil e no mundo, muitos
deles são "vereadores federais", ao limitarem sua atenção aos problemas dos núcleos
de influência que os elegem.
Claro: a Câmara deve ser
uma caixa de ressonância dos
problemas nacionais, mas,
quanto a esses, são muitos os
que preferem votar acompanhando os poucos, providos
de liderança natural, a cujo
rol restritíssimo Luís Eduardo
Magalhães acrescentou seu
nome. A negociação entre
parlamentares é diversa, na
democracia, daquela mantida
pelo ministro com os políticos
em geral.
O Executivo, controlador
dos dinheiros públicos, tem
fortíssimo mecanismo de pressão. O do deputado, mesmo
da situação, exige mais força
de convencimento, mais jogo
de cintura.
Tanto a função do ministro
quanto a do deputado, porém,
exigem uma soma de qualidades (e a dispensa de uma série
de defeitos). Daí se poder dizer que os falecimentos de
Sérgio Motta e de Luís Eduardo Magalhães ilustraram o
reexame das práticas da democracia constitucional. Passada a emoção, a hipótese
constitucional retoma seu lugar, para dar lugar às soluções
necessárias. Ou possíveis.
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