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São Paulo, segunda-feira, 02 de junho de 2003

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VIOLÊNCIA

Danos psicológicos irreversíveis são constatados em parte das vítimas tratadas no Hospital de Clínicas de São Paulo

Sequestro provoca "trauma de guerra"

GILMAR PENTEADO
DA REPORTAGEM LOCAL

Para as vítimas de sequestro, o drama não acaba com a libertação. Resultados preliminares do acompanhamento psiquiátrico de um grupo de cem sequestrados em São Paulo mostram que o dano psicológico é maior do que se pensava e pode ser irreversível.
Os sintomas e reações identificados no acompanhamento alarmaram o psiquiatra Eduardo Ferreira Santos, 50, supervisor do serviço de psicoterapia do Instituto de Psiquiatria do HC (Hospital das Clínicas) e coordenador de um programa pioneiro que trata de vítimas de sequestro tradicional e de sequestro relâmpago no Estado de São Paulo.
A gravidade dos casos de pacientes faz Santos compará-los a neuróticos de guerra. "Minha hipótese é que o estrago causado por um trauma desse tamanho é tão grande que ele é irreversível. A pessoa pode voltar a ter uma vida razoavelmente normal, mas não será a mesma coisa, como ocorre com os neuróticos de guerra", afirmou Santos.
O psiquiatra pretende reunir os resultados do acompanhamento em sua tese de doutorado pela Faculdade de Medicina da USP (Universidade de São Paulo).
O serviço psiquiátrico para vítimas de sequestro existe há um ano e cinco meses, tempo suficiente para constatar a gravidade do problema. Dos cem pacientes, 70 já foram avaliados. O resultado foi considerado frustrante pelo próprio coordenador do programa do HC.
Desses 70 pacientes, 35 apresentaram melhora significativa, 28 não tiveram alteração no quadro e sete pioraram. A recuperação de 50% fica abaixo de índices conseguidos com tratamentos semelhantes para outros traumas.
No caso de pais que perderam filhos, por exemplo, o índice de recuperação estimado por psiquiatras é de 80%. Santos pensava em alcançar esse mesmo percentual com as vítimas de sequestro.

Sintomas
A euforia do refém recém-libertado pode dar a falsa impressão de que o caso se encerra quando ele chega em casa. Para Santos, a reação psicológica aos momentos vividos em poder dos sequestradores pode ser tardia e aparecer lentamente. É o chamado transtorno de estresse pós-traumático.
"A vítima sai dizendo que está tudo bem, conta toda a história. Quatro semanas depois, pode começar a ter alterações de comportamento", afirmou o psiquiatra. Esse transtorno pode levar até cinco anos para aparecer.
Primeiro surgem o medo de sair de casa, a ansiedade, os problemas de memória e de atenção. Depois a insônia ou os pesadelos, a paranóia de perseguição e os falsos reconhecimentos -a vítima pensa reconhecer o sequestrador em todo lugar. O resultado de tudo isso é uma desorganização mental que atinge a capacidade de trabalho e o convívio social.
Para o coordenador do programa, o relato repassado pelos pacientes é de "uma morte em vida". "As vítimas relatam a mesma coisa: uma sensação de absoluta impotência, descaso, como se estivessem mortas e enterradas."

Tratamento
No programa do Hospital de Clínicas, os pacientes são atendidos individualmente ou em grupos de oito pessoas. Com medicação ou não, eles são submetidos a uma terapia de três meses. Dos pacientes, 70% são mulheres -segundo a polícia, porém, os homens são maioria entre as vítimas de sequestro.
Essa inversão é explicada, segundo Santos, pelo preconceito dos homens em procurar atendimento psiquiátrico. "O fato de passar pelo trauma do sequestro não significa que alguém vai desenvolver o estresse pós-traumático. Mas será que esse homem sofre, porém guarda, e isso vai explodir mais lá na frente?"


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