|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
VIOLÊNCIA
Danos psicológicos irreversíveis são constatados em parte das vítimas tratadas no Hospital de Clínicas de São Paulo
Sequestro provoca "trauma de guerra"
GILMAR PENTEADO
DA REPORTAGEM LOCAL
Para as vítimas de sequestro, o
drama não acaba com a libertação. Resultados preliminares do
acompanhamento psiquiátrico
de um grupo de cem sequestrados
em São Paulo mostram que o dano psicológico é maior do que se
pensava e pode ser irreversível.
Os sintomas e reações identificados no acompanhamento alarmaram o psiquiatra Eduardo Ferreira Santos, 50, supervisor do
serviço de psicoterapia do Instituto de Psiquiatria do HC (Hospital
das Clínicas) e coordenador de
um programa pioneiro que trata
de vítimas de sequestro tradicional e de sequestro relâmpago no
Estado de São Paulo.
A gravidade dos casos de pacientes faz Santos compará-los a
neuróticos de guerra. "Minha hipótese é que o estrago causado
por um trauma desse tamanho é
tão grande que ele é irreversível. A
pessoa pode voltar a ter uma vida
razoavelmente normal, mas não
será a mesma coisa, como ocorre
com os neuróticos de guerra",
afirmou Santos.
O psiquiatra pretende reunir os
resultados do acompanhamento
em sua tese de doutorado pela Faculdade de Medicina da USP
(Universidade de São Paulo).
O serviço psiquiátrico para vítimas de sequestro existe há um
ano e cinco meses, tempo suficiente para constatar a gravidade
do problema. Dos cem pacientes,
70 já foram avaliados. O resultado
foi considerado frustrante pelo
próprio coordenador do programa do HC.
Desses 70 pacientes, 35 apresentaram melhora significativa, 28
não tiveram alteração no quadro e
sete pioraram. A recuperação de
50% fica abaixo de índices conseguidos com tratamentos semelhantes para outros traumas.
No caso de pais que perderam
filhos, por exemplo, o índice de
recuperação estimado por psiquiatras é de 80%. Santos pensava
em alcançar esse mesmo percentual com as vítimas de sequestro.
Sintomas
A euforia do refém recém-libertado pode dar a falsa impressão
de que o caso se encerra quando
ele chega em casa. Para Santos, a
reação psicológica aos momentos
vividos em poder dos sequestradores pode ser tardia e aparecer
lentamente. É o chamado transtorno de estresse pós-traumático.
"A vítima sai dizendo que está
tudo bem, conta toda a história.
Quatro semanas depois, pode começar a ter alterações de comportamento", afirmou o psiquiatra.
Esse transtorno pode levar até
cinco anos para aparecer.
Primeiro surgem o medo de sair
de casa, a ansiedade, os problemas de memória e de atenção.
Depois a insônia ou os pesadelos,
a paranóia de perseguição e os falsos reconhecimentos -a vítima
pensa reconhecer o sequestrador
em todo lugar. O resultado de tudo isso é uma desorganização
mental que atinge a capacidade de
trabalho e o convívio social.
Para o coordenador do programa, o relato repassado pelos pacientes é de "uma morte em vida".
"As vítimas relatam a mesma coisa: uma sensação de absoluta impotência, descaso, como se estivessem mortas e enterradas."
Tratamento
No programa do Hospital de
Clínicas, os pacientes são atendidos individualmente ou em grupos de oito pessoas. Com medicação ou não, eles são submetidos a
uma terapia de três meses. Dos
pacientes, 70% são mulheres
-segundo a polícia, porém, os
homens são maioria entre as vítimas de sequestro.
Essa inversão é explicada, segundo Santos, pelo preconceito
dos homens em procurar atendimento psiquiátrico. "O fato de
passar pelo trauma do sequestro
não significa que alguém vai desenvolver o estresse pós-traumático. Mas será que esse homem
sofre, porém guarda, e isso vai explodir mais lá na frente?"
Texto Anterior: Mortes Próximo Texto: Psiquiatra atuou no tratamento de ex-pracinhas Índice
|