São Paulo, quarta-feira, 02 de junho de 2004

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SISTEMA PRISIONAL

Trinta presos foram mortos em motim, entre eles um acusado de furto; vários corpos estavam mutilados

Guerra de facções causa matança no Rio

MARIO HUGO MONKEN
SERGIO TORRES
DA SUCURSAL DO RIO

TALITA FIGUEIREDO
FREE-LANCE PARA A FOLHA

Uma batalha entre presos das facções criminosas Comando Vermelho (CV) e Terceiro Comando (TC) provocou a morte de pelo menos 30 detentos durante a rebelião na Casa de Custódia de Benfica (zona norte do Rio). No motim, encerrado na segunda-feira após 61 horas, foi morto também um agente penitenciário.
A carnificina aconteceu quando os rebelados, ligados ao CV, invadiram no sábado, armados com escopetas e pistolas, o andar em que ficam os presos do TC. Para se defender, os detentos do TC incendiaram colchões e os atiraram em direção às grades das celas.
O estado dos cadáveres assustou quem esteve na cadeia e nos necrotérios para onde eles foram levados. Havia cabeças e membros separados dos troncos. Muitos corpos estavam carbonizados. Há pelo menos 16 feridos, vítimas de tiros e queimaduras.

Furto e desacato
Uma lista parcial com os nomes de 19 mortos foi divulgada ontem à noite pela Secretaria de Administração Penitenciária. Em apenas nove casos foram identificados os crimes pelos quais eles estavam sendo processados. David de Paula Pereira, 25, era acusado de dano, desacato e resistência à prisão. Leonardo dos Santos Oliveira, 24, de furto. Quatro dos mortos eram acusados de roubo, dois de tráfico e um de homicídio.
No sistema penitenciário do Rio, a divisão por facções criminosas normalmente se dá de acordo com o grupo que atua no bairro de origem do preso.
Na Casa de Custódia de Benfica, o TC estava em minoria. Tinha 150 homens confinados no terceiro dos quatro andares do prédio. O CV, que ocupava o último pavimento, tinha cerca de 600. Quase 110 presos ligados à facção ADA (Amigo dos Amigos) estavam no segundo andar.
A decisão de misturar presos de facções rivais começou a ser implementada pelo Estado em 2003. Na época o secretário estadual de Administração Penitenciária, Astério Pereira dos Santos, disse que o objetivo era mostrar que o presídio é controlado pelo governo, não pelos criminosos. Defensores públicos e especialistas criticam a medida e já vinham alertando para os riscos de uma matança.

Cabeças e braços
O Estado informou, em nota, que foram 30 os mortos, mas, por causa das mutilações, o número pode ser maior. Os corpos foram distribuídos por quatro IMLs (Instituto Médico Legal).
O IML no centro da capital recebeu 14 corpos, duas cabeças e dois braços. Para o IML de Nova Iguaçu, foram levados seis corpos, sendo um sem a cabeça. Quatro cadáveres estão no IML de Duque de Caxias e seis em Tribobó.
Pelas investigações iniciais, o plano dos presos do CV era fugir. A fuga em massa ocorreria ao amanhecer de sábado. Com o apoio de criminosos fora da prisão, eles tentariam alcançar a rua após a explosão de um portão.
A explosão não derrubou o portão. Segundo o governo, só 14 fugiram. Quatro teriam sido recapturados. Os demais voltaram para a cadeia, dominaram os carcereiros e acharam as chaves do prédio. Iniciaram, a seguir, a rebelião.
Segundo Paulo Ferreira, presidente do Sindicato dos Servidores da Secretaria Estadual de Justiça -ao qual os agentes são vinculados-, um dos mortos é Maílson Souza da Costa, irmão do traficante Romildo Souza da Costa, o Miltinho do Dendê. Ainda segundo Ferreira, o preso foi decapitado. Os assassinos jogaram futebol com a cabeça da vítima, disse ele.
O agente Antônio Carlos dos Anjos, que entrou na casa de custódia ontem, disse que a unidade foi depredada e pichada com a sigla CV. O terceiro andar está parcialmente queimado. Foram destruídas as salas dos médicos, a administração, celas e toda a documentação dos presos.
Segundo o presidente da ONG Conselho da Comunidade, Marcelo Freixo, que conversou com feridos antes da transferência para o hospital, eles estavam "apavorados com a barbárie". "Estavam sem comer e sem beber desde sábado. Eles ouviam os tiros, os gritos de outros presos sendo mortos e temiam por suas vidas."
Freixo esteve na casa de custódia no dia 11. "Não fomos revistados, não havia detector de metal e não havia ainda chefe ou subchefe de segurança nomeados."
Os 130 guardas da casa de custódia não são agentes da ativa, mas membros de uma cooperativa formada por PMs, bombeiros e agentes aposentados.


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