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O NEGOCIADOR
Líder evangélico conta que já interveio em 11 rebeliões no Rio e que fala a língua dos anjos
Pastor afirma que governador o chamou
ANTÔNIO GOIS
DA SUCURSAL DO RIO
O pastor evangélico Marcos
Pereira da Silva, 47, foi o principal personagem do fim da rebelião em Benfica. Sua presença foi
exigida pelos presos e viabilizada, segundo diz o próprio pastor, pelo secretário de Segurança
Pública, Anthony Garotinho.
Silva afirma que Garotinho ligou pessoalmente para ele anteontem pedindo sua presença
em Benfica. "O secretário conhece meu trabalho com os presos e mandou um helicóptero
me pegar", disse à Folha.
Ele é o principal líder da igreja
Assembléia de Deus dos Últimos
Dias, que não tem relação com a
Assembléia de Deus, maior denominação evangélica do Brasil.
Não foi a primeira vez que a secretaria, por exigência dos presos, teve que recorrer ao pastor
para acabar com uma rebelião.
Há dois anos, Silva foi chamado
para ajudar nas negociações em
dois motins no complexo penitenciário de Bangu. Pelas suas
contas, o número de rebeliões
das quais participou chega a 11.
Segundo o relato do pastor, ele
chegou à Benfica por volta das
16h. "Me assustei porque os presos tinham amarrado vários reféns. Juntei uns 700 numa quadra para glorificar Jesus e o Espírito Santo. Fiz uma oração e
muitos caíram possessos do demônio. Depois, consegui convencê-los a terminar a rebelião."
O pastor diz que em nenhum
momento viu corpos no presídio, apesar de ter tido a informação, antes de entrar, de que cerca
de 30 pessoas já teriam morrido.
Ele afirma que tem o respeito
dos presos por seu trabalho em
prisões e delegacias, iniciado em
1991, e por dar assistência a famílias de presos. "Quando vou aos
morros, olho no olhos deles e
eles caem, com armas e tudo. Tenho dons espirituais e falo a língua dos anjos. Eles ficam maravilhados com isso."
A proximidade do pastor com
familiares de traficantes já foi investigada pela Polícia Federal,
que suspeitou de crime de lavagem de dinheiro do narcotráfico, e acompanhada pela Polícia
Civil do Rio, que chegou a gravar
conversas suas com traficantes.
Polícias e agentes, sem se identificar, disseram a jornalistas anteontem que Silva teria preferência pelos presos do Comando
Vermelho, fato que ele nega.
"Atuo em todos os morros.
Quem não conhece meu trabalho acha que estou usando a
igreja. Já fui detido uma vez, mas
eles [os policiais] perceberam
que sou honesto. O que eu ganho vai para a Assembléia de
Deus dos Últimos Dias. Ganhei
um [automóvel] Land Rover e
vendi para ajudar a igreja."
"O que sabemos é que ele é ligado às irmãs do Marcinho VP
[o traficante Márcio dos Santos
Nepomuceno, chefe do Comando Vermelho preso em Bangu 1]
e que atua na órbita de parentes
de vários traficantes. O público-alvo dele é esse. Imaginamos que
parte dos recursos da igreja possa vir desses familiares, mas não
há evidências de que ele seja integrante de alguma facção", afirma a inspetora Marina Maggessi, da Coordenadoria de Inteligência da Polícia Civil.
Segundo Silva, a Assembléia
de Deus dos Últimos Dias tem
cerca de 800 fiéis no Rio. As mulheres que vivem no local andam
com vestidos longos que deixam
expostos apenas o rosto e as
mãos. "O corpo da mulher é feito apenas para seu marido", diz.
Ele explica que leva a Bíblia "ao
pé da letra" e procura evitar ao
máximo ler "jornais e revistas
que não edificam". Em suas orações, ele coloca a mão na testa
dos fiéis e diz que, com esse gesto, os faz caírem no chão e expulsa o demônio do seu corpo.
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