São Paulo, quarta-feira, 02 de junho de 2004

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O NEGOCIADOR

Líder evangélico conta que já interveio em 11 rebeliões no Rio e que fala a língua dos anjos

Pastor afirma que governador o chamou

ANTÔNIO GOIS
DA SUCURSAL DO RIO

O pastor evangélico Marcos Pereira da Silva, 47, foi o principal personagem do fim da rebelião em Benfica. Sua presença foi exigida pelos presos e viabilizada, segundo diz o próprio pastor, pelo secretário de Segurança Pública, Anthony Garotinho.
Silva afirma que Garotinho ligou pessoalmente para ele anteontem pedindo sua presença em Benfica. "O secretário conhece meu trabalho com os presos e mandou um helicóptero me pegar", disse à Folha.
Ele é o principal líder da igreja Assembléia de Deus dos Últimos Dias, que não tem relação com a Assembléia de Deus, maior denominação evangélica do Brasil.
Não foi a primeira vez que a secretaria, por exigência dos presos, teve que recorrer ao pastor para acabar com uma rebelião. Há dois anos, Silva foi chamado para ajudar nas negociações em dois motins no complexo penitenciário de Bangu. Pelas suas contas, o número de rebeliões das quais participou chega a 11.
Segundo o relato do pastor, ele chegou à Benfica por volta das 16h. "Me assustei porque os presos tinham amarrado vários reféns. Juntei uns 700 numa quadra para glorificar Jesus e o Espírito Santo. Fiz uma oração e muitos caíram possessos do demônio. Depois, consegui convencê-los a terminar a rebelião."
O pastor diz que em nenhum momento viu corpos no presídio, apesar de ter tido a informação, antes de entrar, de que cerca de 30 pessoas já teriam morrido.
Ele afirma que tem o respeito dos presos por seu trabalho em prisões e delegacias, iniciado em 1991, e por dar assistência a famílias de presos. "Quando vou aos morros, olho no olhos deles e eles caem, com armas e tudo. Tenho dons espirituais e falo a língua dos anjos. Eles ficam maravilhados com isso."
A proximidade do pastor com familiares de traficantes já foi investigada pela Polícia Federal, que suspeitou de crime de lavagem de dinheiro do narcotráfico, e acompanhada pela Polícia Civil do Rio, que chegou a gravar conversas suas com traficantes. Polícias e agentes, sem se identificar, disseram a jornalistas anteontem que Silva teria preferência pelos presos do Comando Vermelho, fato que ele nega.
"Atuo em todos os morros. Quem não conhece meu trabalho acha que estou usando a igreja. Já fui detido uma vez, mas eles [os policiais] perceberam que sou honesto. O que eu ganho vai para a Assembléia de Deus dos Últimos Dias. Ganhei um [automóvel] Land Rover e vendi para ajudar a igreja."
"O que sabemos é que ele é ligado às irmãs do Marcinho VP [o traficante Márcio dos Santos Nepomuceno, chefe do Comando Vermelho preso em Bangu 1] e que atua na órbita de parentes de vários traficantes. O público-alvo dele é esse. Imaginamos que parte dos recursos da igreja possa vir desses familiares, mas não há evidências de que ele seja integrante de alguma facção", afirma a inspetora Marina Maggessi, da Coordenadoria de Inteligência da Polícia Civil.
Segundo Silva, a Assembléia de Deus dos Últimos Dias tem cerca de 800 fiéis no Rio. As mulheres que vivem no local andam com vestidos longos que deixam expostos apenas o rosto e as mãos. "O corpo da mulher é feito apenas para seu marido", diz. Ele explica que leva a Bíblia "ao pé da letra" e procura evitar ao máximo ler "jornais e revistas que não edificam". Em suas orações, ele coloca a mão na testa dos fiéis e diz que, com esse gesto, os faz caírem no chão e expulsa o demônio do seu corpo.


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