São Paulo, quinta, 2 de julho de 1998

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Problemas de receita e adesão ao coquetel criam supervírus

dos enviados especiais

Pessoas que estão se infectando hoje com o HIV correm o risco de estarem sendo atacadas por um vírus mais agressivo e resistente a muitos dos remédios disponíveis. Se esse quadro progredir, o combate à doença vai voltar ao ano zero da Aids, quando não havia nenhuma droga eficaz.
O alerta vem sendo feito por cientistas na Conferência Mundial da Aids, que acontece em Genebra. O Brasil não escapa desse perigo. Roberto Badaró, presidente da Sociedade Brasileira de Infectologia, disse ontem que o país já tem vírus resistentes.
Esse nível de resistência está sendo provocado por falhas do paciente, que não segue o esquema correto de tratamento, e por erros na prescrição médica.
Ao parar de tomar os remédios ou ao tomar combinações erradas, o organismo permite que alguns vírus sofram mutações genéticas, ganhem força e vençam as drogas em uso. Esse vírus resistente pode passar de uma pessoa para outra. Badaró diz acreditar que isso já esteja acontecendo no Brasil.

Problemas no tratamento

Na teoria, diz Badaró, se o processo de resistência avançar, não vão existir remédios eficazes para combater esses "supervírus". Na prática, seria um estágio correspondente ao início da epidemia.
O médico brasileiro, que foi indicado essa semana membro da diretoria da International Aids Society, afirma que é urgente a busca de fórmulas para impedir que os tratamentos sejam interrompidos ou mal conduzidos.
No Brasil, 60 mil pacientes recebem medicamento e 60% tomam três drogas diferentes.
Frederick Hecht, de São Francisco, identificou um paciente que se infectou com um "supervírus" HIV, resistente a seis das 11 drogas disponíveis hoje, incluindo um inibidor da protease.
A transmissão de um HIV resistente a um único medicamento (AZT, por exemplo) já havia sido verificada. Essa seria a primeira vez que a transmissão de um vírus multi-resistente foi localizada.
O paciente teria se contaminado com um parceiro infectado pelo HIV desde 1990, que já havia tomado nove dos 11 antiretrovirais.
Essa descoberta traz consequências importantes. Se o caso for confirmado, ele significa que pessoas que acabam tendo vírus resistentes a várias drogas durante seu tratamento, podem transmiti-lo dessa forma.
Os testes de laboratório que indicam resistência são complexos e não são de rotina. Eles devem chegar ao mercado americano no fim do próximo mês e vão custar entre US$ 400 e US$ 800.
Margaret Chesney, da Universidade da Califórnia, diz que os remédios podem causar mais estragos do que benefícios se não forem utilizados corretamente. John Mellors, da Universidade de Pittsburgh, disse que 2% de 400 pacientes de um único estudo eram resistentes a múltiplas drogas.



Aureliano Biancarelli e Jairo Bouer viajaram a convite dos laboratórios Merck Sharp & Dohme e Abbott.



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