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LETRAS JURÍDICAS
Palavras colhidas no sonho de jurista
WALTER CENEVIVA
COLUNISTA DA FOLHA
Quer o leitor seja da área jurídica, quer não seja, certamente
compreenderá a afirmação de que
o curso em uma faculdade de direito tem como missão essencial
formar a consciência dos fins do
Direito, consistentes no estabelecimento da disciplina da convivência humana. Viver é conviver.
Para conviverem, os seres humanos são submetidos a uma disciplina, decorrente de regras ou
normas jurídicas, que autorizam
aqueles que forem lesados por sua
violação a impor ao violador as
consequências previstas em lei.
Nos regimes de força, das ditaduras, a liberdade da boa convivência se obscurece com o sacrifício dos direitos individuais e a insegurança dos que não são chegados ao poder. Devemos, pois, defender a disciplina legítima da
convivência nas sociedades humanas com leis discutidas, votadas e promulgadas pelos Poderes
competentes do Estado, livremente escolhidos pelo povo.
Nos dois parágrafos anteriores,
tentou-se resumir as páginas iniciais do primeiro capítulo de "Palavras do Amigo aos Estudantes
de Direito", de Goffredo Telles Junior (164 páginas, Editora Juarez
de Oliveira). Ao todo, são cinco
capítulos, recolhidos de igual número de palestras dadas por Goffredo em seu escritório a um grupo de estudantes. Foram cuidadosamente revistas pelo autor.
Constituem um monumento de
clareza e síntese que todos, ligados ou não ao direito, deveriam
ler. Compreenderão, em o lendo,
que os direitos decorrem das leis,
verdadeiras permissões do fazer e
do não-fazer. O que seriam, nesse
caso, os direitos humanos, de que
tanto se fala hoje? Lembrando que
as normas jurídicas não são dados
da natureza, mas dados da inteligência, Goffredo define leis dos
direitos humanos como permissões jurídicas para a fruição de
bens soberanos. Tanto nesse caso
como nas alternativas normais da
aplicação da lei, deve-se buscar
seu espírito, e não sua letra. A lei é
a sua própria interpretação, que
excede "a justiça dos escribas e
dos fariseus", como disse Jesus no
Sermão da Montanha.
Dizer o que há por ser dito de
modo direto e claro constitui objetivo ideal, mas difícil de ser atingido pelos juristas. A dificuldade é
maior quando se passa da linguagem oral para a escrita, porquanto o assunto envolve certas técnicas, impondo o uso de palavras
específicas. Os trabalhadores do
direito são alvo mais ou menos
constante de queixas contra a
complicação de sua linguagem,
até pelo emprego de formas e vocábulos pouco usuais no trato comum. Quando se encontra um livro no qual as frases surgem na
ordem direta, o autor diz o que
pensa, enuncia opiniões com firmeza e dignidade sem recorrer a
citações constantes, há uma festa
para a alma e para o espírito do
leitor. Essa é a festa que Goffredo
Telles Junior propicia sem outra
preocupação que não a de contar
o Direito, desvendando-o.
É impossível resumir a sabedoria de cada página das "Palavras
do Amigo". Nos quatro capítulos
seguintes, vêm traçados os limites
entre Direito e moral, os princípios e as causas da condição humana, as origens e os valores do
conhecimento em geral e, em particular, do conhecimento
científico.
A cultura como ordem da inteligência, para explicar o sonho do
jurista, que não se satisfaz com saber o Direito, aparece no final,
com a lembrança de Victor Brecheret, grande escultor nosso.
Goffredo elogiou seu "Monumento às Bandeiras" e Brecheret
respondeu-lhe que as figuras já
estavam na pedra e explicou: "O
que eu faço é somente soprar com
amor para assustar a poeira". O
sonho do jurista consiste em soprar a poeira das normas de convivência para aprimorá-las, na
busca permanente de liberdade e
de justiça.
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