São Paulo, segunda-feira, 02 de agosto de 2004

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SEGURANÇA

Levantamento se refere a boletins de ocorrência registrados no primeiro semestre nas principais cidades de São Paulo

Estudantes são 25% das vítimas de seqüestro

GILMAR PENTEADO
DA REPORTAGEM LOCAL

"Pai, eles me pegaram." O empresário paulistano Eduardo Homem de Mello, 49, demorou alguns segundos para entender a gravidade da frase, dita ao telefone pelo filho. O jovem, estudante de 19 anos, estava em poder de seqüestradores em um matagal. Falava com uma arma apontada para a cabeça.
Mello negociou pessoalmente a libertação do filho e mais dois amigos do jovem, também estudantes. O garoto foi escolhido como alvo do seqüestro porque era o dono do carro e os criminosos avaliaram que a família dele teria mais dinheiro. "Quando o filho da gente entra na linha de fogo, não adianta experiência. A gente dá o que tem", afirma o empresário.
O drama vivido pela família de Mello não é exceção entre casos de seqüestro em São Paulo, crime que registrou aumento de 13,7% no Estado e 16,6% na capital no segundo trimestre de 2004 em relação ao mesmo período de 2003, segundo dados da Secretaria da Segurança Pública.
De cada quatro vítimas, uma é estudante (25%). É a ocupação que registra maior número de vítimas. Mais do que comerciantes (16%) e empresários (11,1%), sempre apontados como alvos preferenciais dos seqüestros tradicionais -com pedido de resgate e, geralmente, com cativeiro.
É o que mostra um levantamento dos boletins de ocorrência do crime "extorsão mediante seqüestro" registrados de janeiro a junho deste ano ao qual a Folha teve acesso. Essa base de dados informatizada abrange a capital e outros 41 municípios do Estado -não inclui os dados organizados pela Divisão Anti-Seqüestro.
No primeiro semestre de 2004, os distritos registraram 129 ocorrências desse tipo de crime. Desse total, 60 se adequaram às características de seqüestro tradicional -os outros eram seqüestros relâmpago, ameaças ou suspeitas.
Segundo pesquisadores, 60 casos são suficientes para se traçar um perfil das vítimas e da atuação dos seqüestradores, principalmente porque a amostra inclui as cidades com maior concentração desse tipo de crime no Estado.
A Secretaria da Segurança Pública confirmou 55 seqüestros ocorridos no semestre -as ocorrências teriam sido revisadas, quando é confirmada ou não a tipificação do crime. Mas o órgão não informa estatísticas sobre o perfil das vítimas e a atuação desses criminosos. A Divisão Anti-Seqüestro não faz pesquisa sobre a ocupação das vítimas -só sobre a idade e o sexo.
Segundo as estatísticas oficiais, o Estado inverteu uma tendência de queda verificada desde o terceiro trimestre de 2002. Foram 33 casos no Estado de abril a junho deste ano, quatro a mais do que no mesmo período de 2003. Na capital, foram 21 casos, três a mais do que no ano passado.
Pelo levantamento dos 60 casos do primeiro semestre, 16% das vítimas têm até 17 anos. Se a faixa for estendida para até 25 anos, o índice fica em 36%. Em meados de 2002, estatística feita pela DAS mostrava que 11% das vítimas tinham até 17 anos.
O percentual de estudantes e de jovens entre as vítimas sugere, segundo especialistas, que os filhos são os alvos cada vez mais freqüentes dos seqüestradores. Segundo o mesmo levantamento, os pais são, geralmente, comerciantes e empresários.
"Os criminosos vêem que é mais fácil seqüestrar o filho de família abastada, porque geralmente ele é menos cuidadoso em relação à segurança. Também é mais fácil negociar com o chefe da família, que pode providenciar mais rapidamente o dinheiro", disse o cientista político Guaracy Mingardi, diretor científico do Ilanud (Instituto Latino-americano das Nações Unidas para Prevenção do Delito e Tratamento do Delinqüente).
"Cada vez mais vemos jovens de 14, 15, 16 anos libertados de cativeiros", disse Athaíde da Silva, coordenador do Instituto São Paulo Contra a Violência e responsável pelo serviço de Disque-Denúncia -no qual uma das principais ações é uma campanha de combate ao seqüestro. "Os jovens não aceitam seguranças, são menos cuidadosos, e acabam sendo mais vulneráveis."
Segundo Silva, o serviço -que funciona pelo 0800-156315- foi responsável direto pela libertação de 37 reféns desde 2000.
Mello diz que sempre deu dicas de segurança para os filhos. Mas a abordagem dos seqüestradores teria sido inevitável. Dois homens armados cruzaram a frente do carro do jovem quando ele teve de reduzir a velocidade em uma esquina, em pleno meio de tarde -15h- de uma quarta-feira, no Morumbi (zona oeste de SP).
"Por mais que a gente ensine aos filhos noções de segurança, não há o que fazer em uma situação caótica como essa. Isso precisa acabar", diz.


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