São Paulo, domingo, 02 de setembro de 2007

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GILBERTO DIMENSTEIN

A melhor experiência contra a violência


O caso do Jardim Elisa integra uma galeria de testes, são arranjos que envolvem os mais diferentes atores com foco e metas claras no país

A MAIS COMPLETA EXPERIÊNCIA brasileira de combate à criminalidade ocorre hoje num bairro chamado Jardim Elisa Maria, que fica na zona norte de São Paulo. Se bem sucedido, o modelo desenvolvido será capaz de servir de laboratório para todo o país. Nunca tantas e tão diferentes entidades governamentais e comunitárias trabalharam juntas num único território.
O Jardim Elisa Maria é mais uma amostra de poder paralelo em regiões metropolitanas brasileiras, como se fosse um território ocupado por um governo estrangeiro.
A maioria de seus habitantes mora em favelas e quase nenhum dos jovens estuda ou trabalha. Há carência generalizada em saneamento básico, saúde, educação, cultura e lazer. O acesso às moradias dá-se por vielas e escadões, que dificultam a coleta de lixo e o trânsito de viaturas.
A mistura da exclusão com a geografia fez do lugar uma espécie de fortaleza, prestando-se a refúgio de marginais em geral e de lideranças do crime organizado (PCC), bem como a cativeiro para seqüestros.
As estatísticas de homicídio e estupro na região levaram o bairro ao topo do ranking de criminalidade da cidade de São Paulo. Dizia-se que, naquele local, a polícia não entrava.
Até por uma questão de desafio, entrou -e com tudo. Em maio, foram designados 600 policiais militares para fiscalizar durante 24 horas por dia o Jardim Elisa Maria.
Como seria previsível, os indicadores de criminalidade melhoraram. Mas até quando? Não se poderia manter uma multidão de policiais cuidando de um único bairro, por mais caótico que fosse. Não estariam enxugando gelo, a exemplo de várias operações nos morros do Rio?

 

Na semana passada, ocorreu, no Palácio dos Bandeirantes, sede do governo paulista, uma reunião com os principais atores dessa ofensiva, para consolidar um modelo que evite que a ação se transforme num vexame proporcional ao estardalhaço repressivo, operado pessoalmente pelo governador José Serra.
Combinam-se 60 ações, que aglutinam diversas secretarias e entidades dos governos estadual e municipal nas áreas de esportes, segurança, cultura, educação, trabalho, justiça, tecnologia, assistência social e saneamento básico. As tarefas devem ser executadas diretamente pelos próprios secretários, não pelo segundo escalão -o governador comanda essas reuniões.
Agregou-se ao grupo, entre outros, a ONG "Sou da Paz", com um histórico de êxito na montagem de rede no Jardim Ângela, região que chegou a ser apontada como a mais violenta do planeta. Desde a semana passada, aderiram médicos da USP especialistas em tratar drogados.
A rede é responsável não só pelo policiamento repressivo e preventivo como também pela limpeza dos córregos, pelo asfaltamento e pela iluminação de ruas e escadões, pela construção de escolas, de quadras esportivas, de praças e de um posto de saúde, bem como pela concessão de renda mínima às famílias e de cursos profissionalizantes para jovens e adultos. Tudo isso se faz ouvindo as lideranças locais.
 

O caso do Jardim Elisa faz parte de uma galeria de testes, que ainda engatinha, do que existe de mais moderno em políticas públicas. São arranjos que envolvem diferentes atores com foco e metas claras. Ensaiam-se tais arranjos por todo o país, que ficam muito bem no papel, fazem sentido, são elogiados por todos, mas se perdem na incapacidade gerencial. Não há gente formada nesse tipo de articulação.
No próximo dia 5, o governo federal vai anunciar a gestão unificada de seis programas para a juventude, espalhados pelos ministérios. Busca-se dar mais R$ 1 bilhão para a qualificação profissional e a melhoria educacional de 4 milhões de jovens. Sem contar a bolsa de R$ 30 para cada família cujo filho entre 15 e 17 anos permanecer na escola.
É um cipoal de acertos que sai do Palácio do Planalto, passa pelos ministérios, ruma para as secretarias estaduais e municipais e, enfim, acaba numa operação num bairro, parceira de uma entidade comunitária.
Mais complexo ainda é o projeto federal, batizado de "Mais Educação". Envolve os ministérios da Saúde, do Desenvolvimento Social, da Ciência e Tecnologia, do Trabalho, da Cultura, dos Esportes e do Meio Ambiente, que atuam em conjunto para que, propagando-se em ações estaduais e municipais, se monte uma malha de apoio às escolas. Isso significa, por exemplo, que os agentes de saúde da família vão visitar os colégios, e os estudantes estariam mais próximos dos diversos espaços culturais e esportivos. O plano é baseado na experiência dos bairros educativos, desenvolvida, ainda em pequena escala, nas metropóles.
 

Ainda é muito cedo para saber o que vai dar certo nisso tudo. Não é porque a receita é boa que o bolo sai bom das mãos do cozinheiro, mas não há dúvida de que esses cruzamentos que vemos no Jardim Elisa Maria são o único caminho consistente para dar eficiência às políticas públicas -o resto, sem exagero, é desperdício de dinheiro.
 

PS - Pela minha vivência em regiões conflagradas de cidades como Boston, Nova York, Colômbia e Bogotá - ou, no caso brasileiro, na região do Jardim Ângela-, posso dizer que o modelo do Jardim Elisa só dará errado se houver catástrofe gerencial, que comprometeria a imagem de administrador do governador José Serra. Seguindo a mesma receita, mas com menos recursos, Bogotá virou um exemplo mundialmente aplaudido de combate à violência.

gdimen@uol.com.br


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