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MOACYR SCLIAR
E tem aquela do papagaio
O que ela buscava na Internet era uma alma-irmã, alguém que pensasse como ela, que
fosse capaz de entendê-la. Uma
procura que parecia fadada ao
fracasso: de início, o diálogo era
sempre promissor; depois vinha a
decepção. Ao fim e ao cabo, tratava-se de gente medíocre, limitada. Ela já estava pensando em desistir, quando encontrou Arthur.
Arthur, o misterioso Arthur
-nada sabia dele-, revelou-se o
interlocutor ideal. Verdade, era
lacônico; muitas vezes respondia
suas frases com apenas um "sim"
ou um "não".
Mas que "sim"! Que "não"! Ela
estremecia ao ler essas simples letras na tela. A certeza que dali
emanava, a profunda convicção,
tudo aquilo traduzia maturidade, sabedoria. Ela estava, ainda
que figurativamente, na presença
de um poderoso espírito, de um
verdadeiro guru.
Outras vezes, e de forma curiosa, Arthur repetia as frases dela.
"Amplo e estranho é o mundo",
escrevia, e a resposta vinha de
imediato: "Amplo e estranho é o
mundo". E de tal maneira ela se
sentia reassegurada em sua fraca,
vacilante convicção, que as lágrimas lhe vinham aos olhos.
Inevitavelmente se apaixonou.
E inevitavelmente surgiu a dúvida: deveria manter seus sentimentos apenas no terreno da comunicação à distância, ou deveria encontrar-se com Arthur? Durante meses vacilou, mas por fim
não resistiu: mandou um e-mail
dizendo que queria vê-lo.
A resposta foi positiva, mas havia um problema: Arthur morava
nos Estados Unidos. Tão decidida, contudo, ela estava que comprou uma passagem e foi ao Arizona.
Chegou ao endereço que lhe fora fornecido e, trêmula, tocou a
campainha. Quase desmaiou
quando a porta se abriu: diante
dela estava um rapagão alto, simpático.
-Arthur?, balbuciou ela.
Não, não era o Arthur. Era o
dono do Arthur. Arthur era o papagaio que ele trouxera do Brasil,
onde vivera por alguns anos. Por
isso, aliás, falavam português, ele
e o Arthur. Por isso escolhera uma
interlocutora brasileira para o
Arthur internauta.
Poderia ter nascido ali um caso
de amor, mas isso não aconteceu:
o rapaz era casado, tinha uma filhinha. E Arthur, bem, Arthur
não parecia disposto a abandonar o dono.
Ela voltou para o Brasil. Não
quer mais nada com computador.
Dedica-se agora à televisão. Todos os dias vê o programa da Ana
Maria Braga. E está começando a
achar aquele papagaio muito
simpático.
O escritor Moacyr Scliar escreve nesta
coluna, às segundas-feiras, um texto de
ficção baseado em notícias publicadas
no jornal.
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