São Paulo, segunda-feira, 02 de outubro de 2000

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MOACYR SCLIAR
E tem aquela do papagaio

O que ela buscava na Internet era uma alma-irmã, alguém que pensasse como ela, que fosse capaz de entendê-la. Uma procura que parecia fadada ao fracasso: de início, o diálogo era sempre promissor; depois vinha a decepção. Ao fim e ao cabo, tratava-se de gente medíocre, limitada. Ela já estava pensando em desistir, quando encontrou Arthur.
Arthur, o misterioso Arthur -nada sabia dele-, revelou-se o interlocutor ideal. Verdade, era lacônico; muitas vezes respondia suas frases com apenas um "sim" ou um "não".
Mas que "sim"! Que "não"! Ela estremecia ao ler essas simples letras na tela. A certeza que dali emanava, a profunda convicção, tudo aquilo traduzia maturidade, sabedoria. Ela estava, ainda que figurativamente, na presença de um poderoso espírito, de um verdadeiro guru.
Outras vezes, e de forma curiosa, Arthur repetia as frases dela. "Amplo e estranho é o mundo", escrevia, e a resposta vinha de imediato: "Amplo e estranho é o mundo". E de tal maneira ela se sentia reassegurada em sua fraca, vacilante convicção, que as lágrimas lhe vinham aos olhos.
Inevitavelmente se apaixonou. E inevitavelmente surgiu a dúvida: deveria manter seus sentimentos apenas no terreno da comunicação à distância, ou deveria encontrar-se com Arthur? Durante meses vacilou, mas por fim não resistiu: mandou um e-mail dizendo que queria vê-lo.
A resposta foi positiva, mas havia um problema: Arthur morava nos Estados Unidos. Tão decidida, contudo, ela estava que comprou uma passagem e foi ao Arizona.
Chegou ao endereço que lhe fora fornecido e, trêmula, tocou a campainha. Quase desmaiou quando a porta se abriu: diante dela estava um rapagão alto, simpático.
-Arthur?, balbuciou ela.
Não, não era o Arthur. Era o dono do Arthur. Arthur era o papagaio que ele trouxera do Brasil, onde vivera por alguns anos. Por isso, aliás, falavam português, ele e o Arthur. Por isso escolhera uma interlocutora brasileira para o Arthur internauta.
Poderia ter nascido ali um caso de amor, mas isso não aconteceu: o rapaz era casado, tinha uma filhinha. E Arthur, bem, Arthur não parecia disposto a abandonar o dono.
Ela voltou para o Brasil. Não quer mais nada com computador. Dedica-se agora à televisão. Todos os dias vê o programa da Ana Maria Braga. E está começando a achar aquele papagaio muito simpático.


O escritor Moacyr Scliar escreve nesta coluna, às segundas-feiras, um texto de ficção baseado em notícias publicadas no jornal.



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