São Paulo, domingo, 02 de outubro de 2005

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FAMA EM DOIS TEMPOS

Filho do assaltante do trem pagador inglês fez parte de grupo de música infantil que explodiu nos anos 80

Biggs, ex-Balão Mágico lamenta infância

DANIELA TÓFOLI
DA REPORTAGEM LOCAL

Se a vida de Ronald Biggs, que participou do famoso assalto ao trem pagador na Inglaterra em 1963 e depois passou 30 anos refugiado no Brasil, daria um filme, a de seu filho, Michael, 30, daria uma série. No seu nascimento, o pai ganhou "imunidade" e não pôde mais ser extraditado.
Na infância, conviveu com as piadinhas sobre o fato de ser filho do maior ladrão do mundo e conheceu a fama como o Mike, do Balão Mágico, grupo infantil de sucesso estrondoso nos anos 80. Adolescente, viveu com medo de o pai se entregar, o que ocorreu.
Agora, Michael passa dias e noites ao lado do advogado -que também cuida dos casos de Saddam Hussein- tentando tirar o pai de um presídio de segurança máxima inglês, onde estão detidos integrantes do Al-Qaeda.
Para sobreviver, negocia jogadores do futebol brasileiro para a Europa e tenta voltar ao cenário musical. Em entrevista, conta que o pai, hoje com 75 anos, nunca se arrependeu do crime, fala sobre sua relação em família, analisa sua vida no Balão Mágico e revela que herdou um dom do pai.

Folha - Em 2004, você anunciou o relançamento de sua carreira na Inglaterra. Como é para um cantor que fez sucesso na infância voltar a cantar e em outro país?
Michael Biggs -
Nunca deixei a música. Fazia forró no Brasil quando ainda nem era moda. Ao vir para cá, continuei trabalhando. Procuro misturar a música brasileira com a inglesa, mas faço trabalhos esporádicos. Há três semanas abri um show da dupla Bruno e Marrone.

Folha - Aqui no Brasil o "revival" do anos 80 está na moda. Você nunca pensou em voltar para relembrar um pouco do sucesso?
Biggs -
Adoraria. Mas minha prioridade é o caso do meu pai. Acho que seria um barato. Hoje não tem como enganar uma criança de sete, oito anos só com Balão Mágico. Elas gostam de Pokémon.

Folha - Hoje o Balão Mágico não faria sucesso?
Biggs -
Não daquele jeito, teria de ter interatividade, ter um site. A gente não estaria falando da ""Tia Josefina" ou da ""Galinha Magricela" (músicas do grupo), a gente ia falar de como fazer o download do desenho da galinha.

Folha - Como foi trabalhar na infância?
Biggs -
Por mais que você queira curtir a sua infância, há obrigações e responsabilidades. Não atrapalhou minha vida e me fez ter bagagem profissional, mas é claro que você tem menos tempo para brincadeiras. No fim do ano a gente fazia turnê enquanto as crianças estavam viajando.

Folha - Como foi ser criado por alguém procurado pela polícia?
Biggs -
Cresci sabendo que meu pai tinha roubado um trem, sabia que tinha feito coisa errada, recebido uma sentença injusta e não entendia tudo.

Folha - E na escola, as outras crianças comentavam?
Biggs -
Eu era filho do ladrão. Tinha um monte de menino querendo me pegar na saída.

Folha - Ele se arrependeu?
Biggs -
Não. Nunca se arrependeu e a resposta era sempre a melhor: "Não posso me arrepender de ter feito o que fiz senão eu não teria tido você como filho".

Folha - Por que seu pai resolveu se entregar?
Biggs -
Queria fechar um capítulo. Meu pai não tem motivo para estar na cadeia. Ele pegou uma pena de 55 anos, quando na Inglaterra as pessoas pegam 13, 14 anos. Foi uma sentença política.

Folha - Qual seria a pena justa?
Biggs -
Por volta de 15 anos.

Folha - O que aconteceu com o dinheiro?
Biggs -
Meu pai perdeu tudo.

Folha - Como?
Biggs -
Fugindo.

Folha - Você foi a favor que ele se entregasse?
Biggs -
Não. Mas foi uma decisão dele e eu apoiei.

Folha - Quando ele se entregou, houve a polêmica de que teria recebido 20 mil libras do jornal ""The Sun". É verdade?
Biggs -
Se você se envolve com um tablóide inglês para uma história desse porte existe uma movimentação financeira. Exigi que meu pai voltasse de maneira segura. Pedi um avião fretado, com médico, para fazer direito. Custou 100 mil libras. Eles pagaram.

Folha - Seu pai anunciou greve de fome na semana passada...
Biggs -
Assim que anunciou, houve movimentação do governo. Tínhamos entrado com um apelo, e a Justiça disse que talvez ele pudesse ser liberado por compaixão, mas estávamos sem notícias. Agora o caso voltou a andar.

Folha - Você acha que até o fim do ano sai a liberação?
Biggs -
Tenho certeza.

Folha - Ele gravou com os Sex Pistols. Seria um bom cantor?
Biggs -
Meu pai sempre cantou muito bem. Gravou com os Sex Pistols. E é também um excelente letrista. Foi ele quem compôs a música com os Sex Pistols. Ela vendeu 7 milhões de cópias.

Folha - Você herdou esse dom?
Biggs -
Herdei. Tomara que tenha sido só esse dom.


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