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FAMA EM DOIS TEMPOS
Filho do assaltante do trem pagador inglês fez parte de grupo de música infantil que explodiu nos anos 80
Biggs, ex-Balão Mágico lamenta infância
DANIELA TÓFOLI
DA REPORTAGEM LOCAL
Se a vida de Ronald Biggs, que
participou do famoso assalto ao
trem pagador na Inglaterra em
1963 e depois passou 30 anos refugiado no Brasil, daria um filme, a
de seu filho, Michael, 30, daria
uma série. No seu nascimento, o
pai ganhou "imunidade" e não
pôde mais ser extraditado.
Na infância, conviveu com as
piadinhas sobre o fato de ser filho
do maior ladrão do mundo e conheceu a fama como o Mike, do
Balão Mágico, grupo infantil de
sucesso estrondoso nos anos 80.
Adolescente, viveu com medo de
o pai se entregar, o que ocorreu.
Agora, Michael passa dias e noites ao lado do advogado -que
também cuida dos casos de Saddam Hussein- tentando tirar o
pai de um presídio de segurança
máxima inglês, onde estão detidos integrantes do Al-Qaeda.
Para sobreviver, negocia jogadores do futebol brasileiro para a
Europa e tenta voltar ao cenário
musical. Em entrevista, conta que
o pai, hoje com 75 anos, nunca se
arrependeu do crime, fala sobre
sua relação em família, analisa sua
vida no Balão Mágico e revela que
herdou um dom do pai.
Folha - Em 2004, você anunciou o
relançamento de sua carreira na Inglaterra. Como é para um cantor
que fez sucesso na infância voltar a
cantar e em outro país?
Michael Biggs - Nunca deixei a
música. Fazia forró no Brasil
quando ainda nem era moda. Ao
vir para cá, continuei trabalhando. Procuro misturar a música
brasileira com a inglesa, mas faço
trabalhos esporádicos. Há três semanas abri um show da dupla
Bruno e Marrone.
Folha - Aqui no Brasil o "revival"
do anos 80 está na moda. Você nunca pensou em voltar para relembrar um pouco do sucesso?
Biggs - Adoraria. Mas minha
prioridade é o caso do meu pai.
Acho que seria um barato. Hoje
não tem como enganar uma
criança de sete, oito anos só com
Balão Mágico. Elas gostam de Pokémon.
Folha - Hoje o Balão Mágico não
faria sucesso?
Biggs - Não daquele jeito, teria
de ter interatividade, ter um site.
A gente não estaria falando da
""Tia Josefina" ou da ""Galinha
Magricela" (músicas do grupo), a
gente ia falar de como fazer o
download do desenho da galinha.
Folha - Como foi trabalhar na infância?
Biggs - Por mais que você queira
curtir a sua infância, há obrigações e responsabilidades. Não
atrapalhou minha vida e me fez
ter bagagem profissional, mas é
claro que você tem menos tempo
para brincadeiras. No fim do ano
a gente fazia turnê enquanto as
crianças estavam viajando.
Folha - Como foi ser criado por alguém procurado pela polícia?
Biggs - Cresci sabendo que meu
pai tinha roubado um trem, sabia
que tinha feito coisa errada, recebido uma sentença injusta e não
entendia tudo.
Folha - E na escola, as outras
crianças comentavam?
Biggs - Eu era filho do ladrão. Tinha um monte de menino querendo me pegar na saída.
Folha - Ele se arrependeu?
Biggs - Não. Nunca se arrependeu e a resposta era sempre a melhor: "Não posso me arrepender
de ter feito o que fiz senão eu não
teria tido você como filho".
Folha - Por que seu pai resolveu
se entregar?
Biggs - Queria fechar um capítulo. Meu pai não tem motivo para
estar na cadeia. Ele pegou uma
pena de 55 anos, quando na Inglaterra as pessoas pegam 13, 14
anos. Foi uma sentença política.
Folha - Qual seria a pena justa?
Biggs - Por volta de 15 anos.
Folha - O que aconteceu com o dinheiro?
Biggs - Meu pai perdeu tudo.
Folha - Como?
Biggs - Fugindo.
Folha - Você foi a favor que ele se
entregasse?
Biggs - Não. Mas foi uma decisão dele e eu apoiei.
Folha - Quando ele se entregou,
houve a polêmica de que teria recebido 20 mil libras do jornal ""The
Sun". É verdade?
Biggs - Se você se envolve com
um tablóide inglês para uma história desse porte existe uma movimentação financeira. Exigi que
meu pai voltasse de maneira segura. Pedi um avião fretado, com
médico, para fazer direito. Custou
100 mil libras. Eles pagaram.
Folha - Seu pai anunciou greve de
fome na semana passada...
Biggs - Assim que anunciou,
houve movimentação do governo. Tínhamos entrado com um
apelo, e a Justiça disse que talvez
ele pudesse ser liberado por compaixão, mas estávamos sem notícias. Agora o caso voltou a andar.
Folha - Você acha que até o fim do
ano sai a liberação?
Biggs - Tenho certeza.
Folha - Ele gravou com os Sex Pistols. Seria um bom cantor?
Biggs - Meu pai sempre cantou
muito bem. Gravou com os Sex
Pistols. E é também um excelente
letrista. Foi ele quem compôs a
música com os Sex Pistols. Ela
vendeu 7 milhões de cópias.
Folha - Você herdou esse dom?
Biggs - Herdei. Tomara que tenha sido só esse dom.
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