São Paulo, sexta, 2 de outubro de 1998

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O DEPOIMENTO
Empresário diz ter ficado 15 dias trancado dentro de um quarto sem banheiro, dormindo em colchonete
'É um pavor tremendo, uma coisa medonha'

da Reportagem Local

Menos de sete horas depois de ser libertado, o empresário Girsz Aronson fez questão de falar à imprensa. Aronson concedeu uma entrevista tumultuada, em uma sala no 11º andar do edifício da loja G. Aronson da rua Conselheiro Crispiniano, centro de São Paulo.
Foi nesse endereço, no térreo, que o comerciante foi sequestrado, em 17 de setembro.
O empresário, que tinha um curativo no nariz, com suspeita de fratura, começou a entrevista agradecendo o sigilo mantido pelos meios de comunicação. Leia a seguir trechos de seu depoimento. (RODRIGO VERGARA)

O SEQUESTRO - "Eu cheguei (à loja) às 5h30 da manhã, como todo dia. Quando eu cheguei, eu trago sempre o (jornal) "Estadão", e pus "O Estado" na mesa. Dali a pouco entraram três... não sei nem o nome que eu vou dizer para eles... de metralhadoras. Puseram um capuz na minha cabeça, me agarraram e me jogaram dentro de um carro. Eu resisti, resisti, gritei, pedi socorro para todo mundo do meu lado. Não me bateram. Me empurraram, fizeram tudo para me empurrar, só, né? Aí pedi socorro, mas ninguém me atendeu."

O LOCAL DO CATIVEIRO - "Nem sei (onde é), porque fui jogado dentro do carro e fiquei agachado, puseram uma máscara em cima de mim, eu fiquei com um capuz na cabeça o tempo todo. Eu acho que viajei umas duas horas de carro, todo estrumbicado, com as costas quebradas da posição em que eu fiquei. Quando chegamos lá, eles me jogaram janela adentro, foi quando eu caí de cabeça e me machuquei. Eu acho que quebrei o nariz."

O CATIVEIRO - "Eu só fiquei em um quarto, numa tenda, e, dentro da tenda, eu fiquei imobilizado, porque eu não podia sair. Era uma tenda para eu dormir, dentro de um quarto. Aí eu pedi a eles que tirassem a tendinha porque eu tenho pavor, medo de ficar em um lugar escuro. Aí eles puseram um colchonete fora (da tenda) e eu fiquei o tempo todo deitado, sem poder me mexer. Não estava amarrado."

OS SEQUESTRADORES - "Me pegaram três (homens), mas eles disseram que havia mais 15 lá fora, tudo de metralhadora, viu? Tudo mascarado. Alguém alguma vez ouviu falar de Primo Carmela (campeão mundial dos pesos-pesados em 1933), que foi campeão de boxe da Itália? Era um daquele tipo, eu acho que tinha uns 2 metros e tanto. Só de olhar o tamanho dele apavorava. Eles disseram que eram profissionais. Agora, eu quero dar um parecer favorável a eles, porque eles foram gentis comigo. Eu acho que eles respeitaram minha idade de 80 e tantos anos e não me bateram, não fizeram nada de maldade."

NEGOCIAÇÃO - "Eu devo tudo pro meu filho, viu? Meu filho começou a negociar com eles e negociou, negociou. Eles queriam US$ 2 milhões, depois foram baixando, foram baixando, porque viram a minha situação, contei a eles minha vida. Eu fui jornaleiro, meu pai morreu quando eu tinha 13 anos de idade. Eu tive que vender jornal, eu vendia 50 jornais por dia para ganhar 400 réis, para minha mãe comprar polenta. Só tinha polenta na minha casa e um pouco de leite de cabra. Aí, talvez, eles tenham ficado compadecidos de mim, um pouquinho."

LIBERTAÇÃO - "Eles me deixaram no km 27 da Castelo Branco, estava chovendo, e eles me disseram: "Olha, não olha para trás. Se você olhar para trás, você é um homem morto, e ninguém vai saber nem quem te matou. Você faz o seguinte. Depois de 5 minutos, você vai para a esquerda que tem um posto de gasolina Castelão.'"

COMIDA - "Eles traziam um prato de pão. Nunca comi um pão tão gostoso na minha vida. Era pão de centeio. Às vezes, me davam com queijo. Eu também tomei iogurte."

COTIDIANO - "(Fiquei) quinze dias sem tomar banho. Eu fedia, ouviu? E, o pior de tudo, me deram uma garrafa de Coca-Cola, e o gargalo era muito pequeno, eu queria fazer xixi, mas me sujei, viu? Tinha uma lata nojenta, asquerosa, fedida, que eu também usava. Que banheiro, que banho, nada. Eles fizeram tudo isso para me assustar."

SEDATIVOS - "Eles me deram um (leite) Parmalat, eu acho que eles colocaram um sedativo, porque eu tomava o Parmalat e imediatamente perdia a noção de tudo. Eu dormia o tempo todo, acho que eles punham dose de cavalo."

MEDO - "Medo? Nem me fala o que é medo, porque é um pavor tremendo, coisa medonha. Meu maior medo era de que acontecesse alguma coisa com meu raptor, porque, se ele não aparecesse, eu ia morrer de fome, porque ninguém ia me dar comida. E eu só sabia rezar a Ave Maria."

FAMÍLIA - "A minha salvação foi que eu só pensava na minha mulher, viu, na minha esposa, que ela ia ficar desamparada, porque eu estou passando por uma fase muito ruim na minha vida, por causa dos (empreendimentos) gigantes que estão surgindo no mercado financeiro e de eletrodomésticos. Acho que vão ficar poucos, na verdade."

A VOLTA - (Quando reencontrou a mulher) "Ah, meu Deus, Olha... nem fala, eu chorava de alegria."

O FUTURO - "Nunca me aconteceu nada, mas, de hoje em diante, em vez de chegar às 5h20 ... porque tem um caminhão que chega de manhã cedo para levar as notas fiscais para eu poder entregar (a mercadoria), porque a coisa não anda boa para o meu lado. Eu vou fazer o seguinte. Vou sair às 6h30, que já é claro, e vou pedir para dois guardas que trabalham dentro da loja para virem me buscar."



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