São Paulo, quarta-feira, 02 de novembro de 2005

Próximo Texto | Índice

VIOLÊNCIA

Ao armar flagrante para prender traficantes, policiais provocaram pânico no Eldorado; secretário não comentou o episódio

Polícia defende ação que assustou shopping

Antônio Gaudério/Folha Imagem
Praça de alimentação do Eldorado, onde houve a operação


DA REPORTAGEM LOCAL

Um dia depois de provocar pânico e correria ao armar flagrante para prender traficantes na praça de alimentação do shopping Eldorado, em São Paulo, a polícia defendeu ontem a operação dizendo que agiu com "cautela".
O delegado Cosmo Stikovics, do Denarc (departamento que investiga narcotráfico), justifica a operação, já realizada pelo menos 20 outras vezes em shoppings da cidade, com o argumento de que a polícia "tem o dever de reprimir o tráfico". Para ele, se não tivesse agido com cautela, o resultado teria sido "pior", "desastroso".
Eram 19h30 e a praça de alimentação estava lotada. De repente, um policial disfarçado puxou o revólver e deu ordem de prisão para dois sujeitos com os quais negociava há dois meses a compra de dois quilos de cocaína.
Em seguida, aproveitando-se de um momento de distração do policial, um dos bandidos reagiu, segundo relato da polícia, e tentou tomar a sua arma, que disparou acidentalmente e acertou as nádegas do outro traficante. Outros seis policiais, também disfarçados, entraram em ação.
Para surpresa dos policiais, dez "seguranças" dos bandidos surgiram e fizeram menção de sacar armas. Eles fugiram, misturando-se aos usuários do shopping, que corriam para se proteger.
Embora os dois traficantes tenham sidos presos e nenhum cliente ou freqüentador tenha se ferido na confusão, a operação policial provocou a indignação de usuários do estabelecimento.
"Vale a pena colocar cidadãos em risco para prender traficantes? Um shopping é o local adequado para uma operação policial disfarçada?" Perguntas como essas eram feitas ontem no Eldorado.
Para o administrador Eduardo Jorge, 47, a ação foi "um absurdo". "Poderia ter acontecido uma bala perdida, eles [os policiais] não tinham como saber se os traficantes estavam armados."
O gerente de tecnologia Leandro Mourão, 25, diz que a ação não deveria ter ocorrido em um shopping por colocar em risco as pessoas "que não têm nada com o fato". Já a bancária Maria Guarnieri, 44, considera que a ação foi "absolutamente incorreta".
O presidente da Federação das Câmaras de Dirigentes Lojistas de São Paulo, Salomão Gawendo, afirma que este é um problema difícil de lidar. "Estamos em uma cidade violenta e acho que a polícia mede os riscos de suas ações."
Procurado pela reportagem, o secretário da Segurança Pública, Saulo de Castro Abreu Filho, um dos principais auxiliares do governador Geraldo Alckmin (PSDB), não comentou o caso.
A assessoria de imprensa do Eldorado disse que o shopping só foi avisado da ação cinco minutos antes de a polícia entrar no local e não foi informado do objetivo nem lugar onde ocorreria.
Especialistas da área de segurança se dividem quanto ao caso. Para Guaracy Mingardi, diretor científico do Ilanud (Instituto Latino-Americano das Nações Unidas para Prevenção do Delito e Tratamento do Delinqüente), se a ação poderia causar uma situação violenta, deveria ter sido prevista para outro lugar.
O advogado criminalista e conselheiro da OAB-SP, Sergei Cobra Arbex, concorda. "Em primeiro lugar vem a segurança da população." O cientista político Paulo de Mesquita Neto, do Instituto São Paulo Contra a Violência, considera absurda a ação da polícia em um local movimentado.
Já para Marco Vinício Petrelluzzi, ex-secretário da Segurança Pública do Estado (1999-2002), que trabalhou para Alckmin, a polícia age onde é possível. "Um shopping é um lugar como outro qualquer. Se fosse na porta de uma favela também haveria risco."
O Denarc afirmou que investigava os suspeitos havia dois meses. Os policiais se passaram por traficantes para comprar a droga. Anteontem, um encontro foi marcado na estação da Luz, mas os criminosos remarcaram na última hora para o Eldorado.


Próximo Texto: Urbanidade - Gilberto Dimenstein: Arte concreta
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.