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GILBERTO DIMENSTEIN
A charada do Supla
Perguntei a dirigentes dos
três mais importantes institutos de opinião pública do Brasil
-Datafolha, Ibope e Vox Populi- o que aconteceria se incluíssem nas pesquisas eleitorais o nome do roqueiro Supla como candidato a presidente.
Acostumados a medir os humores nacionais, eles responderam
que, devido ao sucesso de "Casa
dos Artistas" e à simpática imagem de Supla, teríamos, pela primeira vez, um roqueiro profissional transformado em presidenciável. Não se surpreenderiam caso ele surgisse na lista em posição
melhor do que a de Tasso Jereissati, governador do Ceará, e não
muito distante do ministro da
Saúde, José Serra, hoje o principal
candidato do PSDB.
Essa enquete de brincadeira deve, porém, ser levada a sério.
E Supla brilharia na hipotética
galeria de presidenciáveis não
apenas pela audiência do programa ou pelo romance em tempo
real. Entrou naquela casa para
vender um CD ("O Charada Brasileiro") e, de quebra, arrumou
uma namorada, com quem produziu uma inédita relação amorosa; nunca tanta gente, no Brasil, acompanhou de perto o cotidiano de um casal.
No meio dos "vilões", ele aparece como um sujeito conciliador,
pouco disposto a participar das
tramas, incapaz de ser arrastado
pelas baixarias. Mostra-se respeitoso com as mulheres, critica comentários racistas. Enfim, alguém responsável. Não parece estar encenando, transmite a sensação de que, se colocassem câmaras em sua verdadeira casa, talvez não se comportasse de maneira muito diferente.
A charada que Supla desvenda
é a carência que os brasileiros
sentem de responsabilidade, a
percepção permanente de que somos ameaçados pela desconsideração pública e privada, desprotegidos numa comunidade raramente regida pelas leis -regida
quase sempre pela lei do mais forte ou do mais esperto. Por conhecer esse sentimento, Silvio Santos
não se incomoda em fraudar as
regras para manter no ar o "vilão" Alexandre Frota.
A própria televisão, que faz a fama de Supla, é um bom exemplo
dessa sensação de orfandade -e,
desta vez, pode-se medir isso com
números.
O Ibope entrevistou 10 mil pessoas, espalhadas pelas principais
capitais e cidades brasileiras, para avaliar a imagem da TV aberta. São números péssimos para as
emissoras, metidas numa guerra
cada vez mais feroz pela audiência. Para 60% dos entrevistados,
os programas apresentam sexo
além do razoável; 67% reclamam
do excesso de violência.
Irritados com esses exageros,
59% deles pedem a intervenção
do governo na programação; é
uma atitude que muitos temem
-e com razão, pois pode ser um
estímulo à censura.
O fato é que 79% (82% nas classes A e B) acham que as emissoras
deveriam preocupar-se mais com
as consequências do que transmitem. Acreditam que elas devam
desempenhar um papel mais educativo.
A tradução é simples -goste-se
dela ou não: na visão dos brasileiros, os meios de comunicação não
são responsáveis e, por ganância,
ultrapassam limites.
Existe pesquisa ainda mais desagradável para a mídia, preparada por Oriana White para sua
tese de doutorado, a ser apresentada na Escola de Comunicações
e Artes (ECA) da USP.
Foram entrevistados, no mês
passado, 1.200 habitantes da cidade de São Paulo, nas classes A,
B, C e D, na faixa dos 16 aos 39
anos de idade. Deles, 50% disseram que, em comparação com o
ano anterior, gastam menos tempo assistindo aos programas de
TV aberta.
Talvez nem seja verdade, o indivíduo continua assistindo à TV
tanto quanto antes. Mas talvez
suas declarações também revelem
desejo de mudança, movido pela
insatisfação.
A TV não é, nem de longe, um
alvo isolado do descrédito das
pessoas. A leitura das mais diversas pesquisas de opinião sugere
que todos os segmentos de poder
estão, em maior ou menor grau,
sofrendo cobranças.
Quando se traçam, a partir das
entrevistas, os perfis ideais dos
candidatos, é detectado um eleitor mais "pé no chão": quer respostas menos fantasiosas para
problemas concretos.
No fundo, o que se cobra é apenas responsabilidade.
PS - O efeito Supla é levado bem
a sério entre assessores de Marta
Suplicy. Nos levantamentos de
opinião feitos reservadamente
para a prefeitura, o prestígio de
Marta estaria melhor. Afirmam,
como não poderia deixar de ser,
que o serviço começa a aparecer.
Mas consideram que a simpatia
do filho roqueiro ajudou a mãe,
responsável, em parte, por aquela
obra.
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