São Paulo, domingo, 02 de dezembro de 2001

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GILBERTO DIMENSTEIN

A charada do Supla

Perguntei a dirigentes dos três mais importantes institutos de opinião pública do Brasil -Datafolha, Ibope e Vox Populi- o que aconteceria se incluíssem nas pesquisas eleitorais o nome do roqueiro Supla como candidato a presidente.
Acostumados a medir os humores nacionais, eles responderam que, devido ao sucesso de "Casa dos Artistas" e à simpática imagem de Supla, teríamos, pela primeira vez, um roqueiro profissional transformado em presidenciável. Não se surpreenderiam caso ele surgisse na lista em posição melhor do que a de Tasso Jereissati, governador do Ceará, e não muito distante do ministro da Saúde, José Serra, hoje o principal candidato do PSDB.
Essa enquete de brincadeira deve, porém, ser levada a sério.

E Supla brilharia na hipotética galeria de presidenciáveis não apenas pela audiência do programa ou pelo romance em tempo real. Entrou naquela casa para vender um CD ("O Charada Brasileiro") e, de quebra, arrumou uma namorada, com quem produziu uma inédita relação amorosa; nunca tanta gente, no Brasil, acompanhou de perto o cotidiano de um casal.
No meio dos "vilões", ele aparece como um sujeito conciliador, pouco disposto a participar das tramas, incapaz de ser arrastado pelas baixarias. Mostra-se respeitoso com as mulheres, critica comentários racistas. Enfim, alguém responsável. Não parece estar encenando, transmite a sensação de que, se colocassem câmaras em sua verdadeira casa, talvez não se comportasse de maneira muito diferente.
A charada que Supla desvenda é a carência que os brasileiros sentem de responsabilidade, a percepção permanente de que somos ameaçados pela desconsideração pública e privada, desprotegidos numa comunidade raramente regida pelas leis -regida quase sempre pela lei do mais forte ou do mais esperto. Por conhecer esse sentimento, Silvio Santos não se incomoda em fraudar as regras para manter no ar o "vilão" Alexandre Frota.
A própria televisão, que faz a fama de Supla, é um bom exemplo dessa sensação de orfandade -e, desta vez, pode-se medir isso com números.

O Ibope entrevistou 10 mil pessoas, espalhadas pelas principais capitais e cidades brasileiras, para avaliar a imagem da TV aberta. São números péssimos para as emissoras, metidas numa guerra cada vez mais feroz pela audiência. Para 60% dos entrevistados, os programas apresentam sexo além do razoável; 67% reclamam do excesso de violência.
Irritados com esses exageros, 59% deles pedem a intervenção do governo na programação; é uma atitude que muitos temem -e com razão, pois pode ser um estímulo à censura.
O fato é que 79% (82% nas classes A e B) acham que as emissoras deveriam preocupar-se mais com as consequências do que transmitem. Acreditam que elas devam desempenhar um papel mais educativo.
A tradução é simples -goste-se dela ou não: na visão dos brasileiros, os meios de comunicação não são responsáveis e, por ganância, ultrapassam limites.

Existe pesquisa ainda mais desagradável para a mídia, preparada por Oriana White para sua tese de doutorado, a ser apresentada na Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP.
Foram entrevistados, no mês passado, 1.200 habitantes da cidade de São Paulo, nas classes A, B, C e D, na faixa dos 16 aos 39 anos de idade. Deles, 50% disseram que, em comparação com o ano anterior, gastam menos tempo assistindo aos programas de TV aberta.
Talvez nem seja verdade, o indivíduo continua assistindo à TV tanto quanto antes. Mas talvez suas declarações também revelem desejo de mudança, movido pela insatisfação.

A TV não é, nem de longe, um alvo isolado do descrédito das pessoas. A leitura das mais diversas pesquisas de opinião sugere que todos os segmentos de poder estão, em maior ou menor grau, sofrendo cobranças.
Quando se traçam, a partir das entrevistas, os perfis ideais dos candidatos, é detectado um eleitor mais "pé no chão": quer respostas menos fantasiosas para problemas concretos.
No fundo, o que se cobra é apenas responsabilidade.

PS - O efeito Supla é levado bem a sério entre assessores de Marta Suplicy. Nos levantamentos de opinião feitos reservadamente para a prefeitura, o prestígio de Marta estaria melhor. Afirmam, como não poderia deixar de ser, que o serviço começa a aparecer. Mas consideram que a simpatia do filho roqueiro ajudou a mãe, responsável, em parte, por aquela obra.


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