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São Paulo, terça-feira, 02 de dezembro de 2003

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SP 450

Funcionária de mercado testemunhou a queda do avião da TAM e escapou de incêndio no estabelecimento, em outubro de 1996

Tragédia em CONGONHAS causou morte de 99 pessoas

KIYOMORI MORI
DA REPORTAGEM LOCAL

As páginas do Salmo 32 ainda estão marcadas na mesma Bíblia.
Eram essas essas folhas que Joseilta Maria da Silva Brito, 43, lia na porta do pequeno mercado onde trabalha como caixa, no Jabaquara, próximo à cabeceira da pista do aeroporto de Congonhas, em São Paulo.
Havia apenas um cliente naquela manhã de 31 de outubro de 1996, uma quinta-feira. Às 8h28, Joseilta ouviu um zumbido de turbina de avião. "Parecia apenas mais uma das centenas de pousos e decolagens do aeroporto", lembra. Não era.
Logo, o barulho aumentou e se tornou ensurdecedor. Ao olhar pela porta, Joseilta viu o Fokker-100 da TAM vindo em direção ao pequeno comércio.
"Foi desesperador. Nunca mais esqueci aquilo. Se a cauda não tivesse batido nos dois prédios da frente, o avião teria entrado no mercado", acredita.
Além de atingir os prédios e 14 carros, a aeronave do vôo 402, com 90 passageiros e seis tripulantes a bordo, transformou em ruínas oito casas do bairro. Por menos de 20 metros não atingiu uma escola com 800 crianças.
"Foi tanto barulho que fiquei mais de um ano ouvindo um zumbido", afirma Joseilta.
Para escapar, ela e outro funcionário se esconderam nos fundos do mercado. "A frente da loja foi tomada por uma chuva de querosene. Logo depois, veio o fogo e queimou tudo."
Com medo de que todo o prédio desabasse, ela aproveitou uma brecha nas labaredas e escapou do prédio com a Bíblia debaixo do braço. Do lado de fora, o panorama era desolador. "Parecia cena de filme de bombardeio. Havia muita fumaça, destroços do avião e ruínas das casas atingidas. Até hoje tenho a impressão de sentir o cheiro do querosene queimando."
Após o acidente, Joseilta seguiu para a casa da mãe. "A notícia da minha morte já havia sido dada. As pessoas disseram para minha mãe que quem estava no mercado tinha morrido. Ela chorava sem parar. Meu pai teve de ser levado para o hospital, e morreu um mês depois por problema no coração", conta.
O vôo 402 ia de São Paulo para o Rio de Janeiro. Mas, no final da decolagem, problemas no dispositivo que causa a reversão dos motores fizeram com que o mesmo fosse acionado, o que impediu o avião de alçar vôo, derrubando-o logo depois da cabeceira da pista de Congonhas.
Ninguém na aeronave sobreviveu. Três vizinhos de Joseilta também morreram. "Eram pessoas boas, freguesas do mercado. A gente se cumprimentava. Ninguém merecia morrer daquele jeito", conta ela, que precisou tomar tranquilizantes por um ano para conseguir voltar a dormir. "Eu tinha sempre o mesmo pesadelo: o avião não desviava e entrava no supermercado. Daí, acordava gritando, chorando."
Por causa da tragédia, uma das maiores da aviação nacional, foram decretados três dias de luto. O então presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, apareceu em cadeia nacional de TV para prestar solidariedade aos familiares dos mortos.
Os moradores de áreas próximas prepararam um abaixo-assinado pedindo o fechamento do aeroporto de Congonhas. "Como não deu em nada, resolvi mudar de casa", diz Joseilta.
O lugar escolhido para ser o novo lar de Joseilta é uma das oito casas atingidas pela queda do avião, hoje reformada. "Como um raio, acho que um avião não cai duas vezes no mesmo lugar", afirma.


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