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SP 450
Funcionária de mercado testemunhou a queda do avião da TAM e escapou de incêndio no estabelecimento, em outubro de 1996
Tragédia em CONGONHAS causou morte de 99 pessoas
KIYOMORI MORI
DA REPORTAGEM LOCAL
As páginas do Salmo 32 ainda estão
marcadas na mesma
Bíblia.
Eram essas essas
folhas que Joseilta
Maria da Silva Brito,
43, lia na porta do pequeno mercado onde
trabalha como caixa,
no Jabaquara, próximo à cabeceira da
pista do aeroporto de
Congonhas, em São
Paulo.
Havia apenas um
cliente naquela manhã de 31 de outubro
de 1996, uma quinta-feira. Às 8h28, Joseilta ouviu um zumbido
de turbina de avião.
"Parecia apenas mais
uma das centenas de
pousos e decolagens
do aeroporto", lembra. Não era.
Logo, o barulho aumentou e se tornou
ensurdecedor. Ao
olhar pela porta, Joseilta viu o Fokker-100 da TAM vindo em direção ao
pequeno comércio.
"Foi desesperador. Nunca mais
esqueci aquilo. Se a cauda não tivesse batido nos dois prédios da
frente, o avião teria entrado no
mercado", acredita.
Além de atingir os prédios e 14
carros, a aeronave do vôo 402,
com 90 passageiros e seis tripulantes a bordo, transformou em
ruínas oito casas do bairro. Por
menos de 20 metros não atingiu
uma escola com 800 crianças.
"Foi tanto barulho que fiquei
mais de um ano ouvindo um
zumbido", afirma Joseilta.
Para escapar, ela e outro funcionário se esconderam nos fundos
do mercado. "A frente da loja foi
tomada por uma chuva de querosene. Logo depois, veio o fogo e
queimou tudo."
Com medo de que todo o prédio
desabasse, ela aproveitou uma
brecha nas labaredas e escapou do
prédio com a Bíblia debaixo do
braço. Do lado de fora, o panorama era desolador. "Parecia cena
de filme de bombardeio. Havia
muita fumaça, destroços do avião
e ruínas das casas atingidas. Até
hoje tenho a impressão de sentir o
cheiro do querosene
queimando."
Após o acidente,
Joseilta seguiu para a
casa da mãe. "A notícia da minha morte
já havia sido dada.
As pessoas disseram
para minha mãe que
quem estava no mercado tinha morrido.
Ela chorava sem parar. Meu pai teve de
ser levado para o
hospital, e morreu
um mês depois por
problema no coração", conta.
O vôo 402 ia de São
Paulo para o Rio de
Janeiro. Mas, no final
da decolagem, problemas no dispositivo que causa a reversão dos motores fizeram com que o mesmo fosse acionado, o
que impediu o avião
de alçar vôo, derrubando-o logo depois
da cabeceira da pista
de Congonhas.
Ninguém na aeronave sobreviveu.
Três vizinhos de Joseilta também morreram. "Eram
pessoas boas, freguesas do mercado. A gente se cumprimentava.
Ninguém merecia morrer daquele jeito", conta ela, que precisou
tomar tranquilizantes por um ano
para conseguir voltar a dormir.
"Eu tinha sempre o mesmo pesadelo: o avião não desviava e entrava no supermercado. Daí, acordava gritando, chorando."
Por causa da tragédia, uma das
maiores da aviação nacional, foram decretados três dias de luto.
O então presidente da República,
Fernando Henrique Cardoso,
apareceu em cadeia nacional de
TV para prestar solidariedade aos
familiares dos mortos.
Os moradores de áreas próximas prepararam um abaixo-assinado pedindo o fechamento do
aeroporto de Congonhas. "Como
não deu em nada, resolvi mudar
de casa", diz Joseilta.
O lugar escolhido para ser o novo lar de Joseilta é uma das oito
casas atingidas pela queda do
avião, hoje reformada. "Como
um raio, acho que um avião não
cai duas vezes no mesmo lugar",
afirma.
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