São Paulo, domingo, 03 de fevereiro de 2002

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"Criminosos dependem de facilidades"

Promotor diz que quadrilhas contam com conivência do Estado; em 70% dos casos investigados, policiais estavam envolvidos

DA REPORTAGEM LOCAL

"Não há organização criminosa que sobreviva sem a participação de funcionários públicos, do Estado, porque elas precisam de facilidades", afirma o promotor José Carlos Blat, do Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado), do Ministério Público de São Paulo.
Prova disso é que os promotores desse grupo encontraram policiais -civis ou militares- envolvidos em cerca de 70% dos 450 procedimentos instaurados desde a criação do Gaeco, em 98.
Outra característica do crime organizado é sua hierarquia piramidal -líderes e soldados- e divisão de tarefas como empresas, o que permite ""terceirizar" algumas etapas do crime. Hoje, a polícia paulista investiga grupos especializados em resgates, na vigilância de cativeiros em sequestros e em levantamentos sobre a vida das vítimas que serão sequestradas.
""Essa necessidade de detectar quem está articulando, quem está tentando se organizar, fez com que fosse criada a delegacia especializada nesse tipo de crime", diz o delegado Godofredo Bittencourt, do Deic (Departamento Estadual de Investigações sobre Crime Organizado), unidade recém-reestruturada pela Secretaria da Segurança de São Paulo.
Por esse motivo é que a principal estratégia do governo contra a onda de sequestros no Estado é prender dez líderes de quadrilhas já identificados. Esses homens, que planejam e ficam à distância das situações de risco, organizam ""células" do crime nas ruas.
No ano passado, policiais do Deic, que então tinha outro nome e estrutura, investigaram com promotores a ligação entre integrantes presos do PCC (Primeiro Comando da Capital) e crimes que aconteciam do lado de fora.
Descobriram 26 centrais telefônicas no Estado, por meio das quais detentos se comunicavam por telefones celulares com seus ""sócios" externos. Grampos da polícia registraram planejamento de fugas, sequestros e assaltos, entre outras transações criminosas.
""Existe uma comunicação e um pacto entre os integrantes do PCC, de um auxiliar o outro. Este pacto praticamente faz a organização do crime", diz o delegado, que defende o cadastramento de quem possui celulares pré-pagos.
""Tudo bem que o comprador possa apresentar identidade falsa, mas pelo menos temos uma pista para investigar", diz ele.
Amanhã, um segundo presídio em São Paulo começará a testar um aparelho de bloqueio de celular. O secretário da Administração Penitenciária, Nagashi Furukawa, espera ter em dois meses um certificado da Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações) sobre esse tipo de produto, que é novo no país, para poder abrir processo de licitação.
Mas o combate ao crime organizado vai além disso. O juiz Octávio Augusto Machado de Barros Filho, juiz-corregedor dos presídios de São Paulo, defende uma reformulação na forma como se trata o assunto. ""O crime organizado não está sendo combatido por instituições, mas por órgãos. Não há centralização de inteligência, órgãos democráticos para garantir investigações nas casas, grampos", diz, comentando em seguida sobre a experiência italiana de combate à máfia.
Para o coronel Rui César Melo, comandante-geral da Polícia Militar paulista e presidente da Associação dos Comandantes Gerais das PMs, é preciso ter investigação, punições claras e confisco do dinheiro das quadrilhas para se enfrentar esse tipo de criminoso.
""Você não combate o crime organizado dando trombada na rua. É preciso um trabalho de inteligência, colocar no papel os nomes dos envolvidos, suas tarefas e ações. Depois de presos, eles precisam ficar em presídios especiais, onde não possam usar celulares."
A PM de São Paulo tem hoje um grupo especialista em monitorar ações do PCC no Estado. (ALESSANDRO SILVA)


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