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São Paulo, segunda-feira, 03 de março de 2003

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MOACYR SCLIAR

Cerveja, Carnaval e máquina de lavar

Padre alemão fabrica cerveja em máquina de lavar roupa. Michael Fey, 45, padre da cidade de Duisburg, teve a idéia de usar a sua máquina de lavar roupa a fim de produzir cerveja mais barata para reuniões de jovens que organiza. "Tudo o que precisava era algo que pudesse ser usado para aquecer e misturar -então por que não uma máquina de lavar?", disse Fey. A máquina produz 20 litros de cerveja em dez horas. Mundo Online, 25.fev.2003

Aquele seguramente seria o Carnaval mais triste de sua vida. Recém-separado da mulher, desempregado, sem amigos, não tinha onde ir, não sabia o que fazer. A única coisa que poderia ajudá-lo naqueles dias era a cerveja, tradicional consolo dos solitários. Mas o dinheiro estava tão escasso que nem a isso poderia recorrer.
Foi então que leu no jornal a notícia acerca do padre que, na Alemanha, fazia cerveja na sua máquina de lavar roupa. Intrigado, ligou para um amigo que trabalhara em cervejaria e que confirmou: sim, era muito fácil. Era só arranjar os ingredientes e, naturalmente, a máquina de lavar.
Máquina de lavar ele tinha: uma das poucas coisas que a mulher deixara no apartamento, quando da separação. Os ingredientes, ele os comprou gastando seus últimos reais. E, seguindo as instruções do amigo, dispôs-se a preparar sua própria cerveja. Foi um processo relativamente lento; ao cabo de várias horas ele tinha na máquina um líquido amarelo que parecia cerveja e cheirava a cerveja. Provou: era cerveja, e da melhor. A AmBev que se prepare, gritou exultante, e passou o resto da noite enchendo a cara.
Ao terminar, uma dúvida lhe ocorreu: estaria a máquina ainda funcionando? Para testá-la, jogou ali a roupa suja das últimas semanas, que não era pouca. A brava máquina cumpriu sua missão: lavou a roupa toda. Ele pendurou-a na área de serviço e, meio tonto, foi dormir.
Acordou, horas depois, com um barulho estranho vindo da área de serviço. Seria um ladrão? Levantou-se, e ainda cambaleando, foi até lá. O que viu fê-lo arregalar os olhos.
As roupas tinham organizado um verdadeiro Carnaval. Ali estavam: as bermudas pulando como malucas, as camisas dançando agarradinhas. As meias, vários pares, haviam formado um verdadeiro bloco e desfilavam pela área, dando um verdadeiro show de samba, ao som da música que saía, claro, da máquina de lavar. Ou seja: as roupas estavam bêbadas. E, pior, jogaram-se nele, começaram a arrastá-lo, querendo que ele sambasse também...
Com um berro, acordou. Tinha sido um sonho, naturalmente: na área de serviço, as roupas continuavam na corda, secando pacificamente. A máquina ainda cheirava a cerveja, mas estava quieta. Quanto a ele, jurou que nunca mais fabricará cerveja em casa. Ou, se o fizer, usará uma máquina de lavar comprada especialmente para esse fim.


O escritor Moacyr Scliar escreve às segundas-feiras, nesta coluna, um texto de ficção baseado em matérias publicadas no jornal.


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