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NA PISCINA 2
A paz da periferia
PAULO SAMPAIO
DA REVISTA
A última onda de violência
que ameaça a paz do Rio parece ter passado ao largo do piscinão de Ramos. No sábado de Carnaval, os banhistas frequentadores do local garantiam que "não
existe lugar mais tranquilo na cidade para se dar um mergulho".
"Costumava frequentar Copacabana, mas passei a vir aqui por
questão de segurança", diz Mara
Pereira, 36, do lar, que mora em
Parada de Lucas (a sete quilômetros dali). Ela afirma ainda que,
além do mais, as pessoas ali "não
têm o nariz empinado".
O piscinão fica entre as favelas
de Ramos e Roquete Pinto, dentro
dos domínios do Terceiro Comando, uma das facções que controlam o tráfico de drogas no Rio.
Por isso os moradores de outras
favelas vizinhas, que seriam controladas por traficantes do Comando Vermelho, teriam medo
de frequentar o local. Sunga ou biquíni vermelho seria sinal de provocação.
"Isso não existe!", brada, com
um espeto de linguiça na mão, a
técnica de banco de leite Edith da
Rocha, 39.
"Agora, claro, se você passa a
mão na minha bunda, eu vou ali
no posto de salvamento e conto o
ocorrido. Eles vão te localizar e arrastar de fininho para um lado
[favela" ou outro. Aí, amigo, reza
pra não te acontecer o pior", afirma Edith.
Nas três horas em que a Folha
esteve no piscinão, não foi registrado nenhum "sumiço" ou outro
incidente relevante.
Segundo Enderson Braga, bombeiro de plantão, registrou-se
apenas o caso de uma senhora
que desmaiou por causa do calor,
mas já estava bem. E quantos
graus fazia?
"Tu consegue (sic) ficar descalço na areia? Então, calcula, meu
irmão: mais de 40C, com certeza", conclui o bombeiro, de sunga, girando um estetoscópio na
mão.
Moda
Duas barracas adiante, a auxiliar de secretária Tânia Lima, 30,
examina uma fileira de biquínis
pendurados em um varal, vendidos a R$ 10,00 cada um.
"Esse aqui é bem fashion", considera Tânia, com um modelo
preto e verde limão, muito cavado, na mão.
O dono da barraca, Joel Segundo, 33, e seu vizinho, o artesão Joe
de Paula, que vieram de Guadalupe (a cerca de dez quilômetros dali), explicam que o ambiente na
praia é "bem democrático".
"O piscinão foi bom porque ensinou a gente a conviver com as
diferenças", explica o artesão, que
afirma ter feito filosofia em Copacabana.
Vanderson da Silva, 21, que está
na mesma barraca, concorda.
"Aqui não se faz diferença de raça,
credo nem opção sexual. De vez
em quando chega um rapazinho
aí numa bicicleta [gay", mas ninguém repara", diz.
Um animado trio comandado
pelo comerciante homossexual
Francisco Teixeira, 40, não desmente. Apontando para outro
componente do trio, o digitador
Antônio Fernandes, 29, Teixeira
diz: "O Antônio pensava que aqui
só tinha "dundum" [negro". Ele
veio e mostrei que não era verdade. Está adorando, já recebeu três
visitas...".
A trilha sonora no piscinão mistura funk, pagode, charm e samba
de raiz.
Estilo
Não foi localizada nenhuma banhista com peitos de silicone, ou
sem a parte de cima do biquíni.
"Aqui não rola topless porque
só tem peito tipo "pera" [no formato da fruta", ou "jaca", que "jacaiu'", diz Ana Cristina de Almeida, 33, que no momento está "sossegada" [desempregada".
Ela define seu próprio peito como "saquinho de areia". "A primeira grana que entrar vai ser para o silicone", afirma.
Ana Cristina está na mesma
barraca da estudante Márica Santos, 24, que aplica "blondor" nas
coxas negras "para ficar loura".
"Sou muito peluda", afirma.
Na saída, duas "novatas" adentram o piscinão desconfiadas. A
aposentada Aparecida Vieira, 61,
e a viúva Lúcia Freitas, 59, dizem
que ensaiaram muito até ter coragem para ir ao piscinão pela primeira vez. As duas fizeram o trajeto desde Bonsucesso de Kombi.
"Mas naquela água ali eu não
entro, não. Ó que nojeira, tenho
medo de pegar doença de pele",
aponta Aparecida.
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