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São Paulo, segunda-feira, 03 de março de 2003

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NA PISCINA 2

A paz da periferia

PAULO SAMPAIO
DA REVISTA

A última onda de violência que ameaça a paz do Rio parece ter passado ao largo do piscinão de Ramos. No sábado de Carnaval, os banhistas frequentadores do local garantiam que "não existe lugar mais tranquilo na cidade para se dar um mergulho".
"Costumava frequentar Copacabana, mas passei a vir aqui por questão de segurança", diz Mara Pereira, 36, do lar, que mora em Parada de Lucas (a sete quilômetros dali). Ela afirma ainda que, além do mais, as pessoas ali "não têm o nariz empinado".
O piscinão fica entre as favelas de Ramos e Roquete Pinto, dentro dos domínios do Terceiro Comando, uma das facções que controlam o tráfico de drogas no Rio.
Por isso os moradores de outras favelas vizinhas, que seriam controladas por traficantes do Comando Vermelho, teriam medo de frequentar o local. Sunga ou biquíni vermelho seria sinal de provocação.
"Isso não existe!", brada, com um espeto de linguiça na mão, a técnica de banco de leite Edith da Rocha, 39.
"Agora, claro, se você passa a mão na minha bunda, eu vou ali no posto de salvamento e conto o ocorrido. Eles vão te localizar e arrastar de fininho para um lado [favela" ou outro. Aí, amigo, reza pra não te acontecer o pior", afirma Edith.
Nas três horas em que a Folha esteve no piscinão, não foi registrado nenhum "sumiço" ou outro incidente relevante.
Segundo Enderson Braga, bombeiro de plantão, registrou-se apenas o caso de uma senhora que desmaiou por causa do calor, mas já estava bem. E quantos graus fazia?
"Tu consegue (sic) ficar descalço na areia? Então, calcula, meu irmão: mais de 40C, com certeza", conclui o bombeiro, de sunga, girando um estetoscópio na mão.

Moda
Duas barracas adiante, a auxiliar de secretária Tânia Lima, 30, examina uma fileira de biquínis pendurados em um varal, vendidos a R$ 10,00 cada um.
"Esse aqui é bem fashion", considera Tânia, com um modelo preto e verde limão, muito cavado, na mão.
O dono da barraca, Joel Segundo, 33, e seu vizinho, o artesão Joe de Paula, que vieram de Guadalupe (a cerca de dez quilômetros dali), explicam que o ambiente na praia é "bem democrático".
"O piscinão foi bom porque ensinou a gente a conviver com as diferenças", explica o artesão, que afirma ter feito filosofia em Copacabana.
Vanderson da Silva, 21, que está na mesma barraca, concorda. "Aqui não se faz diferença de raça, credo nem opção sexual. De vez em quando chega um rapazinho aí numa bicicleta [gay", mas ninguém repara", diz.
Um animado trio comandado pelo comerciante homossexual Francisco Teixeira, 40, não desmente. Apontando para outro componente do trio, o digitador Antônio Fernandes, 29, Teixeira diz: "O Antônio pensava que aqui só tinha "dundum" [negro". Ele veio e mostrei que não era verdade. Está adorando, já recebeu três visitas...".
A trilha sonora no piscinão mistura funk, pagode, charm e samba de raiz.

Estilo
Não foi localizada nenhuma banhista com peitos de silicone, ou sem a parte de cima do biquíni.
"Aqui não rola topless porque só tem peito tipo "pera" [no formato da fruta", ou "jaca", que "jacaiu'", diz Ana Cristina de Almeida, 33, que no momento está "sossegada" [desempregada".
Ela define seu próprio peito como "saquinho de areia". "A primeira grana que entrar vai ser para o silicone", afirma.
Ana Cristina está na mesma barraca da estudante Márica Santos, 24, que aplica "blondor" nas coxas negras "para ficar loura". "Sou muito peluda", afirma.
Na saída, duas "novatas" adentram o piscinão desconfiadas. A aposentada Aparecida Vieira, 61, e a viúva Lúcia Freitas, 59, dizem que ensaiaram muito até ter coragem para ir ao piscinão pela primeira vez. As duas fizeram o trajeto desde Bonsucesso de Kombi.
"Mas naquela água ali eu não entro, não. Ó que nojeira, tenho medo de pegar doença de pele", aponta Aparecida.



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