São Paulo, quinta-feira, 03 de março de 2005

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PASQUALE CIPRO NETO

"Rapte-me, camaleoa"

O título da coluna lhe trouxe à mente alguma canção, caro leitor? Para ajudar, eu continuo a letra: "Adapte-me a uma cama boa / Capte-me uma mensagem à-toa". E então? Lembrou? O nome da canção (de Caetano Veloso) é justamente "Rapte-me, Camaleoa" (do disco "Outras Palavras", de 1981).
Nessa letra, Caetano desfila flexões verbais cuja pronúncia pode causar alguma dificuldade. Como se lêem formas como "adapto", "opto", "optam", "adaptam"? Onde cai o acento tônico?
É provável que você já tenha ouvido essas formas pronunciadas como se houvesse um "i" (tônico) depois do "p" ("adapíto", "opíto", "opítam" e "adapítam", respectivamente). Essas pronúncias (inadequadas ao padrão culto da língua) talvez se expliquem pelo fato de o falante agir como se houvesse um "i" no infinitivo ("opitar", "adapitar"). Cá entre nós, quem é que pronuncia "optar" e "adaptar" sem uma pontinha de "i" depois do "p"?
Bem, o fato é que não existe o bendito "i" depois do "p" de "optar", "adaptar", "captar", "raptar" etc., como também não existe depois do "g" de "dignar", "resignar", "impugnar", "repugnar", "estagnar" etc. A conjugação do presente do indicativo de todos esses verbos é regular, o que significa que as três flexões do singular (eu, tu e ele) e a da terceira do plural (eles) são paroxítonas.
Moral da história: a sílaba tônica de "adaptam" é "dap" (lê-se "adáptam"); a de "rapta" é "rap" (lê-se "rápta"); a de "resignam" é "sig" (lê-se "resígnam"); a de "designo" também é "sig" (lê-se "desígno"); a de "opto" é "op" (lê-se "ópto"); a de "repugna" é "pug" (lê-se "repúgna"); a de "impugna" é "pug" (lê-se "impúgna").
Quando se fala de economia, por exemplo, pode-se dizer que determinada medida não estagna o processo inflacionário. Permite-me uma pergunta, caro leitor? Como leu "estagna"? Já vimos que essa flexão é paroxítona, logo a pronúncia é "estágna".
Convém lembrar que o que se registra sobre as flexões do presente do indicativo vale também para o presente do subjuntivo. Moral da história: a sílaba tônica de "resigne" é "sig", ou seja, lê-se "resígne" ("Não é possível que alguém se resigne à profunda mediocridade que reina no Brasil"); a sílaba tônica de "impregne" é "preg" ("Não quero que esse cheiro se impregne em minha pele").
Na primeira e na segunda do plural (nós e vós) dos dois presentes e em todas as flexões dos demais tempos, esses verbos continuam regulares. O que significa isso? Que, se a sílaba tônica de "cantaram" é "ta", a de "optaram" também é "ta"; se a tônica de "cantarei" é "rei", a de "designarei" também é "rei".
Por fim, vale lembrar um verbo estúpido, na moda em tempos tão estúpidos como os que vivemos: "decapitar". Notou o "i" depois do "p"? Pois é, caro leitor, qualquer semelhança ou relação entre o verbo "decapitar" e a expressão latina "per capita" não é mera coincidência. A expressão "per capita" equivale a "por cabeça"; o verbo "decapitar" significa nada mais do que "cortar a cabeça".
Pois bem, se você notou o "i" de "decapitar", já sabe que o que vale para esse verbo não é o que se viu a respeito de "captar", "raptar" etc. A sílaba tônica de "decapito", "decapita", "decapitam" ou "decapitem" é "pi". É isso.


Pasquale Cipro Neto escreve nesta coluna às quintas-feiras.
E-mail - inculta@uol.com.br


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