UOL


São Paulo, quinta-feira, 03 de abril de 2003

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

PASQUALE CIPRO NETO

Em tempos de destruição...

"Da força da grana que ergue e destrói coisas belas..." Quem não se lembra desse trecho de "Sampa", de Caetano Veloso? Pois bem, já vi -inúmeras vezes- esse trecho da canção estampado em camisetas, muitas delas com "destroe" ou "destróe" no lugar de "destrói".
A grafia da terminação de formas verbais como essa é padronizada: "mói" (de "moer"), "rói" (de "roer"), "dói" (de "doer"), "constrói" (de "construir"), "destrói" (de "destruir"), entre outras, terminam em "oi", com "i" e com acento agudo no "o".
O agudo se deve a uma regrinha simples: acentua-se a base tônica dos ditongos abertos "ei", "eu" e "oi", o que se vê em palavras como "céu", "escarcéu", "ilhéu", "assembléia", "anéis", "idéia", "apóia", "heróico", "estóico" etc.
O fato de muita gente se confundir e grafar essas formas verbais com "e" em vez de "i" é facilmente explicável (e compreensível): a terceira pessoa do singular do presente do indicativo dos verbos terminados em "er" ou "ir" quase sempre é feita com "e" ("bebe", de "beber", "sofre", de "sofrer", "permite", de "permitir", "consegue", de "conseguir", etc.).
Moral da história: levadas por esse fato, as pessoas acabam seguindo um "sistema", que, na verdade, não funciona em 100% dos casos. Posto isso, não custa insistir em que, conhecida a raiz do problema, não se morre por seguir a grafia que se convenciona como padrão: "destrói", "rói" etc.
Pois bem, por falar no verbo "destruir", veja esta deliciosa mensagem, enviada pela leitora Ana Maria A. Pluciennik: "O corretor ortográfico do "Word" conjuga o verbo "destruir" na terceira do plural do presente do indicativo com a forma "destruem". O "Dicionário Larousse Cultural" confirma essa forma, enquanto outra obra usa "destroem". Qual forma devo usar em minha tese de doutorado? Devo perguntar ao Bush, que é um renomado especialista em destruição?".
Cara Ana, suponho que Bush entenda muito de bombas, mas não dos tormentos da nossa língua. O fato é que "destruir", "construir" e derivados são verbos abundantes, ou seja, apresentam mais de uma forma para determinadas flexões. No Brasil, as formas mais usadas são "destrói", "constrói", "destroem" e "constroem". O emprego das formas regulares ("destrui", "destruem", "construi" e "construem") é mais comum em Portugal.
Não estranhe o que afirmei no parágrafo anterior ("formas regulares"). Sim, "destrui" (que se lê "destrúi") e "destruem" são regulares, enquanto "destrói" e "destroem" são irregulares.
"Regular" e "irregular" aqui nada têm que ver com "certo" e "errado". Trata-se apenas do conceito de regularidade verbal. Se o verbo é "destruir" (com "u" antes de "-ir"), a forma regular (fiel ao radical) é "destrui" (insisto: lê-se "destrúi"). "Destrói" (em que o "u" do radical dá vez ao "o") é forma irregular -e corretíssima.
Essa história de (ir)regularidade mostra mais uma vez a importância do fator uso em língua. O que é regular ("destrui", "construi") nos parece estranho. Por quê? Porque não usamos.
Em tempo: se sua tese é para uma universidade brasileira, use "destroem", cara Ana. E mande passear seu "Word". É isso.


Pasquale Cipro Neto escreve nesta coluna às quintas-feiras
E-mail - inculta@uol.com.br


Texto Anterior: Aeroporto de Guarulhos divulga aviso
Próximo Texto: Trânsito: Saiba como evitar trecho da Radial Leste
Índice

UOL
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.