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RUBEM ALVES
Perguntaram-me se acredito em Deus...
Sou um construtor de altares. Construo meus altares à beira de um abismo. Eu os construo com poesia e beleza
A
CONTECEU AO final de um debate sobre educação promovido pela Folha. Chegada a
hora das perguntas uma senhora
me perguntou algo que nada tinha
a ver com educação. Perguntou
porque lhe doía: "O senhor acredita em Deus?" Houve tempo em que
era mais fácil acreditar em Deus.
Hoje até o Papa se atrapalha. Na
sua visita ao campo de concentração de Treblinka perguntou o que
não deveria ter perguntado: "Onde
estava Deus quando esse horror
aconteceu?"
Heresia porque a pergunta silenciosamente afirma que Deus não
estava lá. Se estivesse não teria deixado aquele horror acontecer. Pois
Deus não é amor e todo poderoso?
Se estava lá e deixou acontecer ou
ele não é amor ou não é todo poderoso. Por outro lado, se ele não estava lá ele não é onipresente...
Depois do atentado terrorista ao
World Trade Center o "New York
Times" publicou um artigo com essa mesma pergunta: Onde estava
Deus? Se estava lá, por que deixou
acontecer?
Dietrich Bonhoffer, pastor protestante que foi enforcado por haver participado de um frustrado
atentado para assassinar Hitler
-às vezes não há como fugir: ou
matar um único, para que muitos
não sejam mortos, ou, para preservar a pureza pessoal, não matar esse único e deixar que milhares sejam mortos; a inocência pode ser
mais criminosa que o crime..., lutou com essa pergunta: "Onde está
Deus?" Sua resposta foi simples:
"Deus está aqui, mas ele é fraco..."
Se Deus existe e é forte, como
perdoá-lo por permitir que aconteça o horror de sofrimento que não
deveria acontecer? Mas se Deus é
fraco ou não existe, então seria
possível perdoá-lo e amá-lo. Aí
choraríamos e diríamos: "Se Deus
existisse e fosse forte isso não
aconteceria..." A gente fica, então,
com saudade do Deus que não existe. Mas eu não disse nada disso para aquela senhora. Apenas perguntei de volta, pedindo um esclarecimento: "Acreditar em qual Deus?
Há tantos... Homens ferozes e vingativos têm um Deus feroz e vingativo que mantém, para sua própria
alegria, uma câmara de torturas
chamada Inferno para vingar-se
dos seus desafetos. Há o Deus jardineiro que criou um Paraíso e mora nas árvores e nas correntes cristalinas. Há o Deus com alma de
banqueiro que contabiliza débitos
e créditos... Há o Deus da Cecília
Meireles que se confunde com o
mar... Há o Deus erótico que inspira poemas de amor carnal... Há o
Deus que se vende por promessas e
faz milagres... E há também o Deus
criança de Alberto Caeiro e Mário
Quintana. Qual deles?"
Ela ficou em silêncio, meio perdida. Então lhe respondi com os
versos do Chico: "Saudade é o revés
do parto. É arrumar o quarto para
o filho que já morreu".
E perguntei: "Qual é a mãe que
mais ama? A que arruma o quarto
para o filho que chegará amanhã
ou a que arruma o quarto para o filho que nunca chegará?".
E acrescentei: "Sou um construtor de altares. Construo meus altares à beira de um abismo. Eu os
construo com poesia e beleza. Os
fogos que acendo sobre eles iluminam o meu rosto e aquecem o meu
corpo. Mas o abismo continua escuro e silencioso..."
Aí, provocado pela pergunta daquela mulher desconhecida escrevi
um livrinho cujo título é a pergunta que ela me fez: "Perguntaram-me se acredito em Deus". Àquela
mulher o meu muito obrigado...
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