UOL


São Paulo, domingo, 03 de agosto de 2003

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

ENTREVISTA

Nova visão de magistrados sobre direito à saúde favorece doentes

Justiça "vê dignidade como direito"

AURELIANO BIANCARELLI
ENVIADO ESPECIAL A BRASÍLIA

Todo homem tem direito a uma vida digna, diz a Constituição brasileira. A Carta já tem 15 anos, e boa parte dos cidadãos ainda nem sabe o que é ter dignidade. Nos últimos anos, no entanto, vem crescendo o número de magistrados que interpretam os fatos de acordo com uma visão mais ampla dos princípios constitucionais, nos quais o direito a uma vida digna está garantido.
Alguém que recorra à Justiça alegando que mora em condições humilhantes, em bairro onde corre o risco de balas perdidas, ou tem na família alguém que necessita de tratamento que o Estado não oferece, por exemplo, tem toda chance de ganhar essa ação.
"O interessante é que esse novo olhar vem sendo fundamentado na questão da saúde, que pela Constituição é um direito do cidadão e um dever do Estado", diz o jurista Dalmo Dallari, coordenador da cátedra Unesco/USP de direitos humanos da Universidade de São Paulo e membro da Comissão de Juristas, ONG com sede em Genebra que assessora as Nações Unidas para questões de direitos humanos.
Na quinta-feira, Dalmo Dallari participou do debate Os Direitos Humanos e o Direito à Saúde no 7º Congresso Brasileiro de Saúde Coletiva, cujo tema foi justamente saúde, Justiça e cidadania.
Abaixo, trechos da entrevista que concedeu à Folha:

Folha - Mudou o conceito de saúde ou vem mudando a interpretação que os magistrados fazem da Constituição?
Dalmo Dallari-
As duas coisas. O conceito definido pela Organização Mundial da Saúde desde 1947 diz que saúde é um estado completo de bem-estar físico, psíquico e social. Antes, saúde era apenas a ausência de doença. Por outro lado, os magistrados estão entendendo que a vida e a integridade fazem parte dos direitos do cidadão, assim como morar dignamente e ter acesso à educação. Ainda há juízes que adotam um pensar que vem do século 18, segundo o qual a lei deve ser obedecida porque é lei, não porque é justa. Isso levava e ainda leva a muitas injustiças.

Folha - O conceito de dignidade não é subjetivo?
Dallari -
A dignidade é um direito, e esse direito está começando a ser reconhecido na jurisprudência, em várias situações. Por exemplo, negar assistência a um paciente é privá-lo do direito à vida, e todo cidadão tem direito à vida. Já há vários casos em que o doente foi salvo por ação da Justiça. A dignidade é um direito na medida que o ser humano é um valor em si. Ele tem consciência, racionalidade, espiritualidade. Tem consciência do bem e do mal, do justo e do injusto.

Folha - Os secretários da Saúde de vários Estados estão preocupados com possíveis excessos de magistrados, que com suas decisões estão impondo gastos à saúde pública que ela não poderia suportar.
Dallari -
Todos os juízes fundamentam suas decisões em laudos médicos, às vezes em mais de um. De todo modo, até agora o Estado vem mostrando que consegue atender às determinações da Justiça. O que é preciso é que o Estado se adiante, fazendo prevenção no sentido mais amplo, agindo antes que a doença apareça.
Essa seria a forma mais racional e justa de garantir o direito à saúde e à vida.


Texto Anterior: Plantão médico - Julio Abramczyk: Estudo liga saúde bucal e coração
Próximo Texto: Urbanismo: Força da grana volta para o centro de SP
Índice


UOL
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.