São Paulo, terça-feira, 03 de outubro de 2006

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RUBEM ALVES

Sobre a educação


A lógica que percebo na fala dos políticos sobre educação é que algo errado se ajeita com uma dose de ruindade


POLÍTICA É quando as palavras rolam. E quando as palavras rolam vem a confusão de línguas. Acho que foi isso que aconteceu na Torre de Babel.
Jonathan Swift, autor do livro "As viagens de Gulliver", relata que o navegante, visitando o país de Lagado, onde havia muitas universidades, surpreendeu-se com uma proposta dos PhD do Departamento de Lingüística. Convencidos de que as palavras se referem a coisas e que elas, as palavras, são fonte de confusão, a confusão acabaria se, em vez de fazer uso de palavras, os homens fizessem uso das coisas a que elas se referem.
Relatou que era freqüente encontrar pessoas caminhando pelas ruas arrastando sacos enormes em que levavam as coisas sobre o que eventualmente conversariam. Ao encontrar um amigo paravam, abriam os seus sacos e conversavam sem palavras, mostrando coisas. Infelizmente o projeto fracassou, porque há objetos, como cavalos, casas e navios, que não podem ser levados em sacos. Sobra a intuição fundamental de que as palavras são fonte de desentendimento...
Todos os candidatos usaram muito uma mesma palavra: "educação". Todos concordam que sem educação não há uma sociedade feliz. Mas estarão dizendo a mesma coisa?
Wittgenstein passou a vida pensando sobre as palavras. E ele concluiu que elas são como "bolsos", desses que há nos paletós e vestidos.
Um bolso é um vazio. Dentro do vazio do bolso muitas coisas diferentes podem ser colocadas. O nome do bolso não importa. O que importa é o que levamos dentro dele.
Por isso, ao ver os políticos mostrando os seus bolsos com o nome "educação", eu fico angustiado. Não sei o que eles levam dentro deles.
Recebi um telefonema do "Jornal do Brasil", faz umas duas semanas. O repórter desejava que eu opinasse sobre uma declaração de um dos candidatos à presidência da República. Num evento no Rio de Janeiro, confrontado com a queixa de professores sobre as más condições do ensino médio, ele disse e prometeu que, se fosse eleito, o problema seria resolvido porque ele iria acrescentar um ano a mais ao ensino médio.
Depois, faz uma semana, vi uma propaganda eleitoral de um partido que propunha uma solução definitiva para a má qualidade da nossa educação. O partido anunciava que, no poder, ele faria com que os alunos, pelo menos duas vezes por mês, fosse submetidos a provas.
A lógica que freqüentemente percebo na fala dos políticos quando falam sobre educação é que uma coisa errada se conserta acrescentando-lhe uma dose extra de ruindade. Alquimia: se se acrescentam fezes às fezes elas se transformam em ouro.
Você vai com seu motorista no seu carro. De repente você nota que o velocímetro salta de 110 km/h para 160 km/h. Você se assusta e pergunta: "O que aconteceu?" O motorista responde: "Percebi que estou no caminho errado. Aumentando a velocidade eu vou entrar no caminho certo..."
Clarice Lispector escreveu um poema com o nome "Mude". Começa assim: "Mude! Mas comece devagar porque a direção é mais importante que a velocidade". Eis uma pitada de sabedoria para os políticos. É preciso que a educação mude. Mas a direção é mais importante que a velocidade.
Dos que ouvi, só o idealista educador Cristovam Buarque percebeu isso. Gostaria de vê-lo de volta no Ministério da Educação.


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