São Paulo, quarta-feira, 03 de outubro de 2007

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Talidomida volta a fazer vítimas no país

Ao menos três casos -com quatro bebês nascidos- foram registrados nos últimos dois anos em RO, no RS e no MA

Síndrome causa graves deformidades em fetos; criada na década de 50, droga é usada no Brasil para tratamento de hanseníase

CLÁUDIA COLLUCCI
DA REPORTAGEM LOCAL

Há quase uma década sem registros oficiais na América Latina, a síndrome de talidomida fetal, que provoca graves deformidades no feto, voltou a fazer vítimas no Brasil. Ao menos três casos -com quatro bebês nascidos- foram registrados nos últimos dois anos, segundo o Siat (Sistema Nacional de Informação sobre Teratógenos). Um quarto caso, em Bauru (SP), está sendo investigado.
Lançada há 50 anos como sedativo e também contra enjôos de grávidas, a talidomida foi responsável nos anos 60 pelo nascimento de ao menos 12 mil crianças deformadas no mundo. O episódio marcou a história da indústria farmacêutica.
A droga chegou a ser proibida na maior parte dos países, mas, no Brasil, por conta dos efeitos benéficos no tratamento da hanseníase, continuou sendo usada -ela só pode ser distribuída pelo Ministério da Saúde.
Assim, o país teve a segunda e, agora, a terceira geração de vítimas da talidomida -fato inédito no mundo, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS). O Brasil tem pelo menos mil casos da síndrome, conforme a OMS, mas o governo federal só reconhece -com o pagamento de pensão- 535.
Em 1997, o país proibiu que mulheres em idade fértil utilizassem o remédio. "A partir daí, se pensava, inclusive em instâncias governamentais, que não havia mais casos da síndrome. Nós mostramos que não, o problema existe e pode piorar", diz Lavínia Schüler-Facinni, professora da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul), coordenadora do Siat.
Os novos registros da doença ocorreram em Rondônia, no Maranhão e no Rio Grande do Sul e foram descobertos por acaso, o que leva a pesquisadora a deduzir que o número de ocorrências seja maior.

Normas não cobradas
Para Facinni, falta rigor na vigilância do uso do remédio e informações a pacientes e familiares sobre os perigos da droga na gravidez.
"Da maneira como está hoje, a situação dá margem a exposições inadvertidas. As normas estão escritas, mas não são cobradas", afirma a co-autora de um artigo recém-publicado no "Birth Defects Research Journal" sobre o retorno da doença.
Dos novos casos, o primeiro bebê nasceu em 2005, em Rondônia, sem os braços e sem as pernas. A mãe tomou a talidomida que era usada pelo marido no tratamento da hanseníase. "Ele nunca foi informado corretamente sobre os riscos, nunca assinou termo de consentimento", diz Claudia Maximino, presidente da associação das vítimas da talidomida.
Em 2006, outra criança nasceu no Maranhão sem os braços. A mãe tinha tido hanseníase e recebeu a prescrição da talidomida sem informações sobre os métodos de contracepção que ela deveria adotar.
"Ela engravidou. O mais grave é que, quando essa criança nasceu, ninguém suspeitou que ela tivesse a doença. Só suspeitaram quando ela foi tomar a vacina BCG e, como o bebê não tinha braço, o caso foi reportado ao Ministério da Saúde", afirma Facinni. A criança tinha uma má-formação cardíaca e morreu em São Paulo.
No terceiro caso, no Rio Grande do Sul, uma garota de 17 anos usou a talidomida da mãe, que fazia tratamento contra um mieloma. Ela deu à luz gêmeos, ambos com má-formações -um morreu após nascer.
Em outros países que utilizam a talidomida, o rigor é maior. Na Índia e na Tailândia, por exemplo, os pacientes tomam o medicamento no hospital. Nos EUA, médicos e farmacêuticos são responsáveis legalmente pelo uso do remédio.
No Brasil, a talidomida é produzida por um laboratório do governo federal e usada só em programas de combate à hanseníase, Aids, lúpus e mieloma múltiplo. Em 2006, foram distribuídos 6 milhões de comprimidos de talidomida.


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