São Paulo, domingo, 03 de novembro de 2002

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EDUCAÇÃO

Prevista em programa petista, reserva segundo origem escolar e critério racial enfrenta barreiras políticas e técnicas

Cota para negro volta polêmica e indefinida

Raphael Falavigna/Folha Imagem
Reunião da Educafro, entidade que dá cursos e fornece bolsas a estudantes negros que pretendem entrar na universidade


ANTÔNIO GOIS
DA SUCURSAL DO RIO
SÉRGIO DURAN
DA REPORTAGEM LOCAL
IURI DANTAS
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Dificuldades de ordem técnica e política estão no caminho do futuro ministro da Educação do governo Lula para implantar uma das medidas mais polêmicas do programa petista -o estabelecimento de cotas para negros e egressos de escolas públicas nas universidades.
O ocupante da pasta terá de se equilibrar entre as cobranças do movimento negro do partido e a oposição de reitores à adoção da medida, manifestada em repetidas ocasiões. "O PT sempre se posicionou à favor da questão, por isso temos muita esperança de avançar", diz Clóvis Carvalho, 31, do movimento petista Voz da Resistência, de São Paulo.
Além disso, o novo ministro terá de buscar uma forma para estabelecer as cotas e até mesmo para definir quem é ou não é negro.
A política de cotas consiste em garantir parte das vagas disponíveis nas universidades para negros e egressos de escolas públicas, mesmo que esses não estejam entre os melhores colocados.
Os opositores à idéia, entre os quais o ministro da Educação, Paulo Renato de Souza, alegam que a medida é drástica e em parte racista, por supor a incapacidade de negros e egressos da escola pública de passar no vestibular. Para eles, as cotas também não promoveriam a melhora do ensino público e poderiam comprometer a qualidade do ensino superior.
Há um ano, o governo brasileiro assumiu o compromisso de estabelecer cotas para negros, na conferência sobre racismo realizada em Durban, África do Sul.
O compromisso, porém, não mudou a política. Segundo Maria Helena de Castro, secretária-executiva do MEC, isso depende das universidades, que têm autonomia, segundo a Constituição.
Maria Helena defende manter o exame de acesso sem alteração. "As instituições de ensino superior são eminentemente meritocráticas, até pela natureza jurídico-legal. O mérito acadêmico é importante no processo de seleção para determinadas áreas", afirma.
Recentemente, a Andifes (Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior) evitou tomar posição sobre o tema. Há 15 dias, os 42 reitores que integram a associação se reuniram para debater as cotas e descobriram, segundo Gustavo Balduíno, secretário-executivo da entidade, "que a questão era mais complexa".
"Ao participar [do debate], vamos levar as questões de gênero, dos pobres, de egressos de escola pública, de índios, as diferenças regionais. Queremos democratizar o acesso para diversos segmentos da sociedade", disse.
Para que o PT aplique a política de cotas, há dois caminhos: discutir com as instituições universitárias ou enviar ao Congresso um projeto de lei que as obrigue a adotá-la. O Senado já aprovou um projeto que prevê as cotas.
Segundo Newton Lima Neto, 49, prefeito de São Carlos (interior de São Paulo) e coordenador do programa de governo do PT na área da educação, haverá uma mistura dos dois caminhos. Conforme debates com a sociedade organizada demonstrarem um mínimo de consenso, a matéria será encaminhada ao Congresso.
Até ser implementado, o sistema de cotas terá de vencer uma de suas maiores dificuldades: estabelecer quem é negro. De acordo com o IBGE, os brasileiros que declaram ter cor negra representam 5,6% da população.
Parte do movimento negro, no entanto, considera os que se declaram da cor parda, de acordo com a classificação do IBGE, também negros. Os pardos representam 40,4% da população. Negros e pardos, juntos, somam 46%.
"A prática das cotas forçará um refinamento dessa seleção", afirma o educador Mário Sérgio Cortella, ex-secretário da Educação da cidade de São Paulo na primeira gestão petista (Luiza Erundina, 1989-92) e colaborador do programa de governo de Lula. Cortella diz ainda ter aceitado a idéia recentemente. "Tenho clareza da sua necessidade, mas não tenho dúvida de que não é o suficiente."
Para ter uma idéia de quão longe o país está de ter uma representação equilibrada da população nas universidades, o dado oficial que chega mais próximo disso é o do questionário socioeconômico do provão, que avaliou, em 2001, os formandos de 20 cursos.
Segundo o provão, apenas 2,6% dos formandos eram negros e 15,9%, pardos. Essa porcentagem varia conforme o curso.
Em Odontologia, os negros são apenas 0,6% e os pardos, 8,2%. Em cursos menos concorridos, a porcentagem aumenta, mas ainda fica distante da proporção da população. Em matemática, por exemplo, os negros são 4,4% e os pardos, 25,2%.
Segundo o coordenador do programa petista, os critérios para definir quem é negro serão definidos através do debate. "O que queremos é levantar a discussão."


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