São Paulo, domingo, 03 de novembro de 2002

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

DANUZA LEÃO

A primeira pisada na bola

Os eleitores brasileiros estão prontos para relevar -e com a maior boa vontade- todas as gafes que serão fatalmente cometidas pelo novo presidente, em nome da sua origem, da sua falta de convivência com o poder, essas coisas. Lula pode beber a água da lavanda, não saber comer uma ostra, pegar uma coxa de frango com a mão num banquete e tudo lhe será perdoado, já que tem qualidades mais importantes como firmeza, franqueza, sinceridade, postura, senso de justiça, correção, ética etc.
Mas quando (no último domingo) ele dribla centenas de jornalistas dando uma desculpa (falsa), vai para a TV Globo para aparecer no "Fantástico", e na noite seguinte, com a imprensa nacional e a internacional correndo atrás, ainda dá uma exclusiva à mesma emissora, aí pega mal. Ah, todos os candidatos haviam se comprometido a isso, fosse quem fosse o eleito? Pois não deviam. Nenhum presidenciável pode assumir esse tipo de compromisso, porque não se deve privilegiar qualquer veículo de comunicação -não numa hora dessas.
Quando Lula chegou ao estúdio da Globo para falar ao "JN", o que era para ser uma entrevista normal passou a ser Lula respondendo a perguntas aos poucos, durante três ou quatro blocos. Eleito há 24 horas, sem conhecer as manhas da televisão e sem coragem de dizer não à toda-poderosa, ele jogou o jogo, e o que se viu foi Lula como um dois de paus, olhando e esperando, enquanto William Bonner dava as notícias do dia. Parecia o "Sem Censura", programa da TV-E no qual quatro ou cinco pessoas vão quando estão lançando um livro ou um disco; enquanto um fala, os outros esperam para vender seu peixe, com direito a abrir a boca às vezes.
Foi o que aconteceu na última segunda-feira, só que um presidente da República eleito não pode se prestar a esse papel. Ok, a campanha foi cansativa, o dia da eleição estressante, as comemorações uma alucinação e talvez, dentro do seu coração, Lula nem acreditasse ainda que era o presidente eleito. Por não ser homem de televisão ele talvez não tenha percebido a humilhação pela qual passaria, sentado na bancada, assistindo ao "JN". E mais: pressionado em público por Fátima Bernardes -que confundiu a eleição com a Copa do Mundo-, se comprometeu a dar a ela, com exclusividade, o nome de um futuro ministro. Lula se derreteu diante da TV Globo; todo mundo viu e ninguém vai esquecer tão cedo.
O PT, tão rígido, conhecido pela sua disciplinada militância, tem que designar urgentemente um assessor para acompanhar Lula 24 horas por dia. Um assessor que negocie -ele e não o presidente-, na hora em que surgirem propostas desse tipo. Uma assessor jogo duro, que saiba dizer o não que Lula não soube dizer.
Apenas 24 horas depois de ser eleito, essa pisada de bola foi um balde de água fria na cabeça dos que votaram nele.
PS - A imprensa noticiou que Regina Duarte telefonou para o comitê querendo falar com Lula. Uma sugestão: os dois fazerem as pazes -diante das câmeras da Globo, claro.
Não seria lindo?

E-mail - danuza.leao@uol.com.br

Texto Anterior: Negros convivem com "enrustidos"
Próximo Texto: Há 50 anos
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.