São Paulo, domingo, 03 de novembro de 2002

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Negros convivem com "enrustidos"

DA REPORTAGEM LOCAL

A estudante de direito Marize da Silva, 28, é a única aluna assumidamente negra de sua classe, formada por 95 alunos, na Universidade de Santo Amaro (Unisa), zona sul de São Paulo. Defensora das cotas, Marize afirma que há outros dois negros na turma, mas que não assumem a cor.
"O único amigo que eu tenho não se assume de jeito nenhum. Ele tem todos os traços de negro, mas se diz branco. Fazer o quê?", afirma ela, bolsista da Unisa graças a um convênio da instituição com a Educafro.
"Há muito preconceito contra o aluno bolsista. Há estudantes que pensam que ele paga indiretamente a minha mensalidade. Já o racismo é sutil. Tem gente que fala: "Mas o seu cabelo não é tão ruim, por que você não alisa?" Eu respondo: cabelo ruim é aquele que não nasce", conta.

História
O estudante de engenharia da Universidade de São Paulo Renan Alves, 21, vive a mesma experiência. Tem um único amigo negro na faculdade, que se diz branco. A classe tem 65 alunos.
Débora Adão, 25, estudante de letras da Universidade São Camilo, tenta convencer as colegas negras a rever a posição. Ela é também das poucas que assume a condição, com orgulho. "Isso, para mim, é desconhecimento da história do Brasil, do massacre feito com os negros neste país. Vamos continuar com medo?", questiona a estudante.
Preconceito, porém, não é o maior problema enfrentado pelos universitários negros. A falta de dinheiro é pior. "A questão das cotas se mistura com a da situação financeira. Só que, no Brasil, a pobreza tem cor. As cotas não vão reduzir a discriminação, mas são um avanço", afirma o estudante de publicidade e propaganda Douglas Elias, 23.
Antes de ingressar no curso do Centro Universitário Salesiano de São Paulo (Unisal), Elias teve de abandonar o de jornalismo, pelo qual sonhava, no segundo ano, por não poder pagar as mensalidades da Universidade Braz Cubas, em Mogi das Cruzes, região metropolitana da capital.
A Unisal foi o que a Educafro pôde oferecer ao estudante no momento. Somente em São Paulo, a organização não-governamental mantém 711 bolsistas em 18 instituições diferentes.
Entre as universidades que se destacam nesse programa, estão a Metodista e a Unisal, com 103 estudantes cada uma, a Unisa, com 78 bolsistas, e a São Camilo, com 51. A Educafro enviou ainda 18 estudantes para Cuba, onde cursam medicina e direito internacional, entre outras faculdades.
"Nós, da Educafro, quando entramos na universidade, o fazemos para estimular a consciência negra daqueles que se escondem", diz José Cano Herédia, 20, estudante de publicidade da Unisal. "Eu não sou moreninho, sou negro", completa José, um dos mais claros do grupo.


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