São Paulo, quarta-feira, 03 de novembro de 2004

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URBANIDADE

Aventura musical

GILBERTO DIMENSTEIN
COLUNISTA DA FOLHA

A cantora Anna Maria Kieffer entrou, por acaso, numa aventura musical -e, a partir dela, redescobriu a cidade de São Paulo.
Filha de italianos e alemães, Anna investigava as canções dos imigrantes do final século 19 na cidade. O que deveria ser uma pesquisa com ares acadêmicos acabou levando-a a um mundo artístico desconhecido. "Foi uma enorme surpresa."
Ela queria saber se os descendentes das primeiras levas de imigrantes ainda preservavam algumas daquelas tradições. Começou a fazer contatos com as colônias de portugueses, italianos, húngaros, judeus, russos, armênios, poloneses e espanhóis. Por três anos, freqüentou festas, cerimônias religiosas e reuniões sociais. "Ia a qualquer tipo de evento em que pudesse fazer descobertas sobre a música deles."
Descobriu, então, que muitos músicos voltavam às antigas aldeias de seus ancestrais apenas para estudar as músicas ou conhecer novidades. Podiam assim continuar ensinando aos mais novos aqui em São Paulo. "Eles não queriam romper os laços e buscavam se aperfeiçoar."
Além de detectar essa volta aos vilarejos, Anna percebeu uma miscelânia dos artistas das comunidades. "Vi japoneses cantando com russos, árabes com judeus e poloneses." Conheceu um músico de origem iugoslava ligado ao estudo de músicas clássicas do Japão, assim como conheceu um japonês que pesquisava a cultura musical de russos ortodoxos.
Toda essa pesquisa resultou num livro e num CD, este intitulado "Cancioneiro da Imigração". Esse material, porém, serve de pretexto para encontros ao vivo. Para exibir sua pesquisa, Anna tem convidado para os encontros muitos desses músicos, a que expõe seu trabalho. Um desses encontros, por exemplo, teve a exibição de sons de sinos das igrejas de São Paulo e um velho armênio cantando, sem acompanhamento de instrumento, uma música de boas-vindas armênia.
Anna ainda não sabe ao certo como acabou se interessando por essa pesquisa. Apenas tem suspeitas. Na sua casa, só se falavam o alemão e o italiano. "Minha opção foi sempre fazer a pesquisa sobre a cultura brasileira."
Graças aos imigrantes, acabou se envolvendo com o que havia de estrangeiro na alma do brasileiro que se fez em São Paulo.

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