São Paulo, domingo, 03 de dezembro de 2000

Próximo Texto | Índice

FEBEM
Levantamento revela que cinco bairros da cidade de São Paulo concentram 20,7% dos menores punidos com internação
Mapa revela maiores "fábricas" de infratores

ALESSANDRO SILVA
GABRIELA ATHIAS
DA REPORTAGEM LOCAL

João Wainer/ Folha Imagem
Vista do bairro Cidade Ademar, um dos maiores "produtores" de delinquentes juvenis do município


A cidade de São Paulo tem cinco grandes ""fábricas" de adolescentes infratores. São bairros de onde saem 20,7% dos internos da Febem (Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor) e cuja principal característica é o fato de ter o crime organizado mais atuante do que o poder público.
Cidade Ademar, Jardim Ângela, Sapopemba, Jabaquara e Itaquera (veja mapa) não são apenas os maiores "produtores" de delinquentes juvenis: também estão entre as regiões que lideram as estatísticas de desemprego e de chefes de família com menos de 15 anos de estudo.
O percentual de menores infratores desses bairros não é proporcional ao de habitantes: apenas 11% da população jovem (de 15 a 24 anos) da capital vive nesses cinco distritos.
Outra característica desses locais é a carência de praças e áreas públicas de lazer, apesar de os bairros estarem entre os mais populosos e densamente povoados.
O mapa das "fábricas" de infratores é resultado de um levantamento da Febem, feito com base em 68% dos endereços dos jovens internados em julho passado e que está servindo para elaborar um programa de intervenção.
Durante uma semana, a Folha percorreu os dois distritos campeões em internações nas zonas sul e leste -Cidade Ademar e Sapopemba- para tentar explicar como surgem e funcionam as ""fábricas". Foram entrevistados líderes comunitários, monitores de projetos de juventude, moradores e traficantes.
O cenário é desolador: esgotos a céu aberto, becos e vielas dominadas por traficantes, tiroteios durante o dia, crianças sem vaga em creches e escolas invadidas durante brigas de gangue.
"A polícia vem aqui e não acerta nada, não", diz J.S.S.,13, morador do Buraco do Sapo, uma favela em Cidade Ademar onde há uma semana tem tiroteio dia sim, dia não, em razão de uma briga entre quatro grupos rivais. "Logo depois do tiroteio a gente sai de casa de novo e faz de conta que não aconteceu nada", diz o morador.
No quadrilátero formado pelas ruas que são palco da disputa há dezenas de adolescentes em cima dos telhados, muitos portando celular. "Aqui o crime está na mão de meninos", diz uma freira que trabalha há 20 anos na região.
Entender o que faz um bairro virar uma "fábrica" de delinquentes juvenis pode ser uma saída para compreender o fenômeno tanto na capital quanto nos municípios do interior que mais internam adolescentes (há 300 cidades, quase a metade do total no Estado, que não têm nenhum garoto internado hoje).
A capital, com seus quase 10 milhões de habitantes, é responsável por 44,6% da população internada atualmente.
A internação, prevista em lei, vale para adolescentes com idades entre 12 e 18 anos que cometeram infrações graves, como roubo e homicídio (delitos que seriam considerados crimes se o autor fosse adulto).
Diariamente, 35 novos adolescentes entram nas unidades da Febem. ""Temos uma grande rotatividade", diz o secretário de Assistência e Desenvolvimento Social do Estado, Edsom Ortega.

Síndrome

Por enquanto não há uma tese única que explique por que uma região produz mais delinquentes do que outras. Mas a maioria das teorias aponta para o crescimento desordenado da periferia, pobreza e falta de infra-estrutura.
O sociólogo Inácio Cano, do Iser-RJ (Instituto de Estudos Religiosos), diz que as periferias das metrópoles brasileiras enfrentam uma espécie de síndrome: ""São locais com renda familiar baixa, educação precária, desemprego elevado, serviços urbanos deficitários e que apresentam os mais altos níveis de violência".
Pesquisa divulgada em novembro pelo Desep (Departamento de estudos Socioeconômicos e Políticos) da CUT, em São Paulo, constatou que 71% dos desempregados vivem na periferia.
A situação mais dramática está no extremo leste, na região de Itaquera, São Miguel Paulista, Ermelino Matarazzo e Itaim Paulista -uma das "fábricas" de infratores identificadas pela Febem. Ali, 20,7% da população economicamente ativa está sem emprego, quatro pontos percentuais acima da média da cidade.
O jovens são os principais atingidos pelo problema: quase a metade dos desempregados (48,2%) da capital tem menos de 24 anos.
A falta de opções acaba levando muitos para o crime. Como "olheiros" (vigilantes de ponto-de-venda de droga), jovens podem ganhar até R$ 150 mensais.
"Estamos acorrentados por algemas invisíveis", diz uma dona-de-casa de Americanópolis, em Cidade Ademar, o distrito campeão de internações. Ela, o marido e os filhos vivem em uma boca (ponto-de-venda) de cocaína.
Se pobreza fosse a única explicação para a produção de infratores, porém, todos os bairros periféricos seriam "fábricas", o que não ocorre.
Segundo Túlio Kahn, coordenador de pesquisas do Ilanud (Instituto Latino-Americano das Nações Unidades para a Prevenção do Delito e Tratamento do Delinquente), há outros elementos que podem explicar essas diferenças. Para ele, a existência de um trabalho social em uma região pobre pode influenciar positivamente os adolescentes. Já um grupo organizado de criminosos pode elevar as taxas de delinquência, independentemente da pobreza.



Próximo Texto: Ação integrada quer conter rotatividade
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.