São Paulo, sexta-feira, 03 de dezembro de 2004

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PANORÂMICA

MULTIMÍDIA


Bolivianos em SP são tema de reportagem
O diário "The New York Times" de ontem trouxe em sua seção de negócios uma reportagem sobre abusos contra bolivianos ilegais em São Paulo.
O jornalista Todd Benson informa que, em contraste com a campanha para erradicação do trabalho escravo no campo, o governo federal tem feito pouco para impedir os abusos em São Paulo, "onde milhares de imigrantes ilegais da Bolívia e de outros países vizinhos vivem e trabalham em confecções de pequena escala, em condições que grupos de direitos humanos e um número crescente de autoridades dizem ser comparáveis a escravidão moderna".
Enquanto no interior a prática de trabalho forçado tende a envolver apenas brasileiros, em São Paulo o debate em torno das condições de trabalho transcorrem em um território étnico. Os promotores e os grupos de direitos, por exemplo, dizem que as confecções costumam ser dirigidas por gerentes bolivianos que trabalham para lojistas coreanos.
"Basicamente, o que temos é um grupo imigrante explorando outro", disse Vera Lúcia Carlos, uma promotora federal que esteve investigando as práticas de trabalho nas confecções da cidade, no ano passado. "Os bolivianos estão na linha de frente, fazendo todo o trabalho sujo. Mas são os coreanos que comandam toda a operação."
Segundo a Associação Brasileira dos Coreanos, que representa a comunidade coreana aqui, cerca de 40 mil a 50 mil imigrantes coreanos vivem em São Paulo, a maioria trabalhando na indústria do vestuário. O presidente da associação, Chul Un Kim, se recusou a comentar as acusações de trabalhos forçados envolvendo imigrantes bolivianos, assim como vários lojistas coreanos na bairro especializado da cidade.
Mas um advogado da associação, que falou sob a condição de não ser identificado, disse que as acusações eram injustas, argumentando que os coreanos são meros lojistas e que as práticas de trabalho nas fábricas são de responsabilidade dos bolivianos que supervisionam os locais. Tais supervisores, que tendem a se manter tão discretos quanto suas fábricas, não puderam ser contatados para comentários ou se recusaram a discutir o assunto.
Escravidão urbana
O Brasil foi o último país nas Américas a abolir a escravidão, em 1888. Atualmente a lei classifica o trabalho como "semelhante à escravidão" quando o trabalhador é submetido a "trabalhos forçados" ou a "dia de trabalho exaustivo" em "condições degradantes". Além de serem multados, os infratores podem pegar de dois a oito anos de cadeia.
A repressão do governo ao trabalho forçado libertou mais de 7 mil trabalhadores escravizados nas áreas rurais desde que Lula -um ex-líder sindical que já trabalhou como engraxate- assumiu o governo. Mas a polícia realizou batidas em apenas um punhado de confecções.
Em um recente caso em agosto, um casal coreano foi preso por empregar 11 imigrantes -a maioria bolivianos, mas também paraguaios e peruanos- em um porão em São Paulo com ventilação mínima. Os trabalhadores foram libertados, mas como não tinham vistos de trabalho, eles foram multados em R$ 300 cada e ordenados a deixar o país.
Enquanto isso, os proprietários foram multados em R$ 2.483 por cada trabalhador e estão aguardando julgamento por acusações criminais de contratação de imigrantes ilegais.
Funcionários do Ministério do Trabalho reconheceram que a campanha antiescravidão do governo se concentrou quase exclusivamente na vasta fronteira agrícola da Amazônia, e disseram que os abusos nas áreas urbanas são mais bem resolvidos pela polícia e promotores.
Os promotores federais disseram, entretanto, que carecem dos recursos dos inspetores do governo que investigam os abusos no interior, e assim dependem dos próprios trabalhadores, que freqüentemente relutam em denunciar seus empregadores.
Os promotores também se queixam que seus esforços para combater o trabalho forçado na cidade tem sido atrapalhado pelas rígidas leis de imigração do Brasil, que dificultam a obtenção de permissões de trabalho pelos imigrantes.
"Infelizmente, nós dependemos de queixas formais, então não há muito o que fazer se alguém não se apresenta para denunciar a situação", disse Cristina Ribeiro Brasiliano, uma promotora federal que está investigando as práticas de trabalho nas confecções.
"Estas pessoas não pensam em si mesmas como escravos", disse a promotora Brasiliano. "Elas querem trabalhar, mas muitas delas não percebem que as condições nas quais trabalham são degradantes e contra a lei."


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