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"Meninas da BR" cobram R$ 5 no Ceará
KAMILA FERNANDES
DA AGÊNCIA FOLHA, EM FORTALEZA
Entre as "meninas da BR", como são conhecidas as crianças e
adolescentes que se prostituem
nas estradas do Ceará, há desde
viciadas em crack até menores
que buscam dinheiro para sustentar a família.
O abuso sexual dentro de casa é
um dos fatores mais recorrentes
na história dessas pessoas, assim
como a miséria, a desestruturação
familiar e o uso de drogas.
M.M., 15, sai todas as noites para esperar clientes na pista da BR-116, em Fortaleza. A irmã, J.M., 14,
espera ao lado.
No rosto de M., as marcas do vício em crack. "Comecei a vir para
a BR há três meses. Foi por causa
do meu padrasto. Ele se deita comigo desde que eu tinha 11 anos."
Na rua, a menina disse que costuma usar camisinha, "menos
com dois fregueses, um policial e
um delegado, que são de confiança". O programa custa R$ 10, mas
ela faz até por R$ 5, dependendo
do movimento do dia.
M. contou que estudou até a 5ª
série e que seu maior sonho é voltar para a escola.
A única política pública que poderia ajudá-la é o Projeto Sentinela, programa do Ministério da
Previdência e Assistência Social
que começou a funcionar há um
ano e meio.
Pouco mais de 300 municípios
em todo o país têm essa cobertura, com uma meta de atender
17.130 crianças que sofram qualquer tipo de violência, desde a sexual até maus tratos, um número
muito abaixo da demanda estimada. Este ano, os gastos com o
projeto foram de R$ 17,5 milhões.
Fortaleza é um dos municípios
atendidos. Mas não existe na cidade uma instituição onde crianças
e adolescentes do sexo feminino
possam ser desintoxicadas das
drogas, disse Renato Roseno,
coordenador do Cedeca (Centro
de Defesa da Criança e do Adolescente) do Ceará.
Há uma delegacia específica para atender meninas exploradas, a
Dececa (Delegacia de Combate à
Exploração Sexual de Crianças e
Adolescentes), mas que fecha às
18h. Mesmo a Polícia Rodoviária
Federal, caso flagrasse um agressor com uma criança, não teria
para onde levá-la à noite.
"Há uma coisificação da criança, que não é tratada como cidadã", disse Angelo Motti, coordenador nacional do Projeto Sentinela. "A criança é vista como um
adulto incompleto, um ser inferior. Não tem credibilidade diante
dos adultos. É preciso haver uma
maior consciência de proteção à
criança para evitar novos casos, a
família tem de começar a ouvi-la,
a acreditar no que ela diz."
"A sociedade pode se mobilizar
e denunciar os casos de violência,
o que já tem acontecido, mas é papel do poder público ter projetos
permanentes de atendimento às
vítimas, o que ainda é muito insuficiente", afirmou o coordenador
do Cedeca.
Em família
Na mesma BR-116, a pouco
mais de cinco quilômetros de distância de onde ficaram M. e J., pelo menos 20 mulheres tentavam
conseguir clientes em um posto
de gasolina, ponto onde caminhoneiros param para dormir.
Maria do Socorro Gomes, 49, há
sete anos faz ponto ali, mas ela começou a se prostituir aos 19 anos,
em Alagoas, onde nasceu.
Ela não vai sozinha ao posto. A
sobrinha L.C.G., 16, a acompanha
há um ano. Com medo de ser pega pela polícia, ela diz que tem 19
anos. L. começou a sofrer abusos
sexuais aos 7 anos e já tem uma filha de 3, que mora com a avó, em
Alagoas. "Meu sonho é trazê-la
para viver comigo, mas minha
mãe não deixa nem falar com
ela", disse.
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