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CIDADANIA
Presidente do comitê brasileiro da campanha da ONU, Milú Villela diz querer dobrar número dos que fazem trabalho solidário
"Queremos 40 milhões de voluntários"
ANTÔNIO GOIS
DA REPORTAGEM LOCAL
No Ano Internacional do Voluntariado, a presidente do comitê brasileiro da campanha lançada pela ONU (Organização das
Nações Unidas) tem uma meta
ousada: dobrar o número de pessoas que se engajam no país em
trabalhos em prol da comunidade. "Queremos chegar ao final do
ano com 40 milhões de voluntários", diz a psicóloga Milú Villela.
Desde que assumiu a presidência do comitê, ela tem transitado
com facilidade pelos gabinetes do
presidente da República, de governadores, de prefeitos e de empresários. Amanhã, por exemplo,
fará uma palestra na Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de
São Paulo) sobre o assunto.
Em entrevista à Folha, ela afirma que o movimento é "totalmente apolítico" e inspirado no
que acontece nos EUA. A campanha tem procurado conseguir
mais voluntários por meio de feiras e da divulgação de maneiras
para as pessoas se engajarem.
Milú, que é presidente do MAM
(Museu de Arte Moderna de São
Paulo), conta que uma das próximas iniciativas será lançar um
concurso, junto com os Correios,
para estimular as pessoas a escreverem sobre suas experiências como voluntários. Leia os principais
trechos da entrevista:
Folha - Qual a meta para o final da
campanha do Ano Internacional do
Voluntariado?
Milú Villela - Se conseguíssemos
dobrar o número de voluntários
no Brasil, seria o ideal. Há uma
pesquisa, da antropóloga Leilah
Landim, que mostra que cerca de
20 milhões de brasileiros doam alguma parte do seu tempo para
ajudar. Queremos chegar a 40 milhões.
Folha - A campanha está sendo
bem aceita pela população?
Milú - Sim. Eu acredito que o tema voluntariado entrou em moda, e o brasileiro tem muito essas
coisas de modismo. O que importa, no entanto, é que mais gente se
engaje na questão do voluntariado. A gente conseguiu, por exemplo, com o autor da última novela
das oito (Manoel Carlos, autor de
"Laços de Família"), que ele incluísse o tema nos últimos vinte
capítulos. Essa iniciativa teve
grande retorno. Nós precisamos
dos autores de novela para que
eles coloquem de alguma forma
isso em pauta.
Folha - Não é superficial as pessoas se engajarem por modismo?
Milú - Quando falo que o brasileiro gosta de modismo não é no
sentido pejorativo. Se as novelas
mostram que ser voluntário é
uma coisa legal, logo é uma maneira de você influenciar uma população inteira para fazer boas
ações. As pessoas querem ouvir
exemplos de "gente que faz". Há
milhões de voluntários anônimos
que fazem um trabalho maravilhoso por aí.
Folha - O poder público tem procurado vocês?
Milú - Eu tive uma reunião, por
exemplo, com o secretário do
Bem-Estar Social do município de
São Paulo (Evilásio Farias) e ele
me perguntou o que poderíamos
fazer conjuntamente. A maior
preocupação dele é com moradores de rua, mas ele falou também
da construção de creches e da
oferta de cursos profissionalizantes. O secretário ficou também de
me mostrar pequenos projetos
onde esses voluntários poderiam
ser aproveitados. Não há ONG
que absorva o número imenso de
voluntários que estão aparecendo
para ajudar. Essas pessoas poderão fazer parte, por exemplo, de
projetos em parques da cidade.
Estamos elaborando um projeto
piloto no parque do Ibirapuera.
Folha - Ao estimular o trabalho
voluntário, a campanha não está tirando do poder público a sua responsabilidade?
Milú - Fazer sozinho é que não
dá certo. Se a gente não tiver governo, empresas e a sociedade civil trabalhando juntos, não vamos
conseguir sair dessa situação. O
Brasil tem potencial, mas é preciso dar oportunidades. Antigamente, as pessoas se solidarizavam apenas na grande seca ou na
grande enchente. Agora, há um
leque de opções enorme para
quem quer ajudar. É possível contar histórias no hospital, ensinar a
tocar violão, dar aulas de reforço
escolar... No entanto, se governo,
sociedade e empresas não estiverem juntos, nada vai dar certo.
O trabalho voluntário não vai
substituir o trabalho do governo,
ele vai reforçar. Numa escola pública, por exemplo, é possível um
voluntário dar aulas de reforço escolar. Há tanta gente com potencial. As pessoas não podem ficar
inertes, em frente à TV.
Folha - Na década de 90, a campanha liderada pelo sociólogo Herbert
de Souza, o Betinho, falava em combater a fome, mas também na questão dos direitos. Não falta isso no
discurso do voluntariado hoje?
Milú - O Betinho fez um trabalho
maravilhoso. Agora, o que acontece hoje é que estamos todos juntos em prol de um país melhor.
Por exemplo, não importa quem
votou na Marta (Suplicy) ou não,
queremos fazer o que for melhor
para a cidade. Hoje em dia, perdeu-se esse ranço da politização.
Hoje existe uma aglutinação de
forças e as pessoas estão mais
abertas para doarem tempo ou dinheiro para melhorar nosso país.
A conjuntura política mudou.
Antigamente, as pessoas queriam
ser militantes políticos. Hoje, na
minha opinião, ser militante é ser
cidadão, e ser voluntário é ser cidadão, é lutar por uma sociedade
mais justa. Temos hoje um desafio de incluir os excluídos. Não é
sermos caridosos, mas darmos
oportunidade.
Folha - Cidadania é um conceito
muito amplo. O que isso significa
para a senhora?
Milú - Ser voluntário é ser cidadão. Você ser cidadão é você participar na melhoria da sua rua, do
seu bairro, da sua praça... E isso
independe do quadro político, independe de partido político. Ser
cidadão é ter consciência de seus
deveres e de seus direitos. Todo
mundo só fala dos direitos, mas
cadê os deveres?
Folha - Mas não é preciso falar de
direitos para a população excluída?
Milú - Sim. Eles têm que saber o
direito deles, o direito à saúde,
educação, moradia, alimentação... Mas é preciso falar também
em deveres, em não jogar o lixo na
rua, não derrubar árvores.
Folha - O movimento de estímulo
ao trabalho voluntário que a senhora propõe é apolítico?
Milú - O movimento é totalmente apolítico. Eu acho que hoje em
dia estamos muito acima dessas
questões políticas.
Folha - Passado o ano do voluntariado, como fazer para que essa
vontade das pessoas ajudarem não
se perca ou seja coisa de momento?
Milú - Isso tem que ser permanente. Temos que ter uma manutenção do conceito de voluntário
na nossa cultura. Nos Estados
Unidos, eles segregam quem não
é voluntário. Fazer alguma coisa
por alguma causa é uma atitude
valorizada. No Brasil, eu acho que
a gente tem que introduzir esse
conceito. Nós estamos tentando
copiar o que acontece nos Estados
Unidos e estamos atrasados.
Folha - Mas há uma rede informal
de voluntários no Brasil que sempre
ajudou, principalmente por motivação religiosa. Como fazer para não
deixar de explorar essa motivação,
que sempre existiu?
Milú - Vamos saber muito mais
sobre o perfil do voluntário neste
ano. Há várias pesquisas sendo
feitas. Uma das iniciativas que faremos neste ano para conhecer
melhor as iniciativas individuais
será, em parceria com os Correios, fazer um concurso para estimular as pessoas a escreverem
suas histórias de voluntariado. A
idéia é sorteamos um computador, uma TV ou algum prêmio
que possa ajudar essas pessoas a
desenvolverem seu trabalho. Sabemos que existem milhões de
brasileiros anônimos sendo voluntários.
Folha - Como está sendo a receptividade dos empresários? Eles querem atuar mais em ações sociais?
Milú - Eu acho que está mudando muito a mentalidade do empresariado. A maioria dos empresários hoje quer doar e quer participar.
Folha - A senhora terá amanhã
uma reunião com a diretoria da
Fiesp. Qual será o tema?
Milú - Quero explicar aos empresários a proposta do Ano Internacional do Voluntário e dar alguns
dados sobre o que está acontecendo em vários Estados brasileiros.
Queremos divulgar iniciativas
que estão dando certo de empresas, para que sejam ampliadas ou
inspirem outras. O setor privado
brasileiro está cada vez mais preocupado e consciente de sua responsabilidade social, mas é preciso ampliar essas ações.
Telefones do Centro de Voluntariado de
São Paulo: 0800-11-1814 ou 0/xx/11/
284-7171.
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