São Paulo, domingo, 04 de março de 2001

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CIDADANIA
Presidente do comitê brasileiro da campanha da ONU, Milú Villela diz querer dobrar número dos que fazem trabalho solidário
"Queremos 40 milhões de voluntários"

ANTÔNIO GOIS
DA REPORTAGEM LOCAL

No Ano Internacional do Voluntariado, a presidente do comitê brasileiro da campanha lançada pela ONU (Organização das Nações Unidas) tem uma meta ousada: dobrar o número de pessoas que se engajam no país em trabalhos em prol da comunidade. "Queremos chegar ao final do ano com 40 milhões de voluntários", diz a psicóloga Milú Villela.
Desde que assumiu a presidência do comitê, ela tem transitado com facilidade pelos gabinetes do presidente da República, de governadores, de prefeitos e de empresários. Amanhã, por exemplo, fará uma palestra na Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo) sobre o assunto.
Em entrevista à Folha, ela afirma que o movimento é "totalmente apolítico" e inspirado no que acontece nos EUA. A campanha tem procurado conseguir mais voluntários por meio de feiras e da divulgação de maneiras para as pessoas se engajarem.
Milú, que é presidente do MAM (Museu de Arte Moderna de São Paulo), conta que uma das próximas iniciativas será lançar um concurso, junto com os Correios, para estimular as pessoas a escreverem sobre suas experiências como voluntários. Leia os principais trechos da entrevista:

Folha - Qual a meta para o final da campanha do Ano Internacional do Voluntariado?
Milú Villela -
Se conseguíssemos dobrar o número de voluntários no Brasil, seria o ideal. Há uma pesquisa, da antropóloga Leilah Landim, que mostra que cerca de 20 milhões de brasileiros doam alguma parte do seu tempo para ajudar. Queremos chegar a 40 milhões.

Folha - A campanha está sendo bem aceita pela população?
Milú -
Sim. Eu acredito que o tema voluntariado entrou em moda, e o brasileiro tem muito essas coisas de modismo. O que importa, no entanto, é que mais gente se engaje na questão do voluntariado. A gente conseguiu, por exemplo, com o autor da última novela das oito (Manoel Carlos, autor de "Laços de Família"), que ele incluísse o tema nos últimos vinte capítulos. Essa iniciativa teve grande retorno. Nós precisamos dos autores de novela para que eles coloquem de alguma forma isso em pauta.

Folha - Não é superficial as pessoas se engajarem por modismo?
Milú -
Quando falo que o brasileiro gosta de modismo não é no sentido pejorativo. Se as novelas mostram que ser voluntário é uma coisa legal, logo é uma maneira de você influenciar uma população inteira para fazer boas ações. As pessoas querem ouvir exemplos de "gente que faz". Há milhões de voluntários anônimos que fazem um trabalho maravilhoso por aí.

Folha - O poder público tem procurado vocês?
Milú -
Eu tive uma reunião, por exemplo, com o secretário do Bem-Estar Social do município de São Paulo (Evilásio Farias) e ele me perguntou o que poderíamos fazer conjuntamente. A maior preocupação dele é com moradores de rua, mas ele falou também da construção de creches e da oferta de cursos profissionalizantes. O secretário ficou também de me mostrar pequenos projetos onde esses voluntários poderiam ser aproveitados. Não há ONG que absorva o número imenso de voluntários que estão aparecendo para ajudar. Essas pessoas poderão fazer parte, por exemplo, de projetos em parques da cidade. Estamos elaborando um projeto piloto no parque do Ibirapuera.

Folha - Ao estimular o trabalho voluntário, a campanha não está tirando do poder público a sua responsabilidade?
Milú -
Fazer sozinho é que não dá certo. Se a gente não tiver governo, empresas e a sociedade civil trabalhando juntos, não vamos conseguir sair dessa situação. O Brasil tem potencial, mas é preciso dar oportunidades. Antigamente, as pessoas se solidarizavam apenas na grande seca ou na grande enchente. Agora, há um leque de opções enorme para quem quer ajudar. É possível contar histórias no hospital, ensinar a tocar violão, dar aulas de reforço escolar... No entanto, se governo, sociedade e empresas não estiverem juntos, nada vai dar certo.
O trabalho voluntário não vai substituir o trabalho do governo, ele vai reforçar. Numa escola pública, por exemplo, é possível um voluntário dar aulas de reforço escolar. Há tanta gente com potencial. As pessoas não podem ficar inertes, em frente à TV.

Folha - Na década de 90, a campanha liderada pelo sociólogo Herbert de Souza, o Betinho, falava em combater a fome, mas também na questão dos direitos. Não falta isso no discurso do voluntariado hoje?
Milú -
O Betinho fez um trabalho maravilhoso. Agora, o que acontece hoje é que estamos todos juntos em prol de um país melhor. Por exemplo, não importa quem votou na Marta (Suplicy) ou não, queremos fazer o que for melhor para a cidade. Hoje em dia, perdeu-se esse ranço da politização. Hoje existe uma aglutinação de forças e as pessoas estão mais abertas para doarem tempo ou dinheiro para melhorar nosso país.
A conjuntura política mudou. Antigamente, as pessoas queriam ser militantes políticos. Hoje, na minha opinião, ser militante é ser cidadão, e ser voluntário é ser cidadão, é lutar por uma sociedade mais justa. Temos hoje um desafio de incluir os excluídos. Não é sermos caridosos, mas darmos oportunidade.

Folha - Cidadania é um conceito muito amplo. O que isso significa para a senhora?
Milú -
Ser voluntário é ser cidadão. Você ser cidadão é você participar na melhoria da sua rua, do seu bairro, da sua praça... E isso independe do quadro político, independe de partido político. Ser cidadão é ter consciência de seus deveres e de seus direitos. Todo mundo só fala dos direitos, mas cadê os deveres?

Folha - Mas não é preciso falar de direitos para a população excluída?
Milú -
Sim. Eles têm que saber o direito deles, o direito à saúde, educação, moradia, alimentação... Mas é preciso falar também em deveres, em não jogar o lixo na rua, não derrubar árvores.

Folha - O movimento de estímulo ao trabalho voluntário que a senhora propõe é apolítico?
Milú -
O movimento é totalmente apolítico. Eu acho que hoje em dia estamos muito acima dessas questões políticas.

Folha - Passado o ano do voluntariado, como fazer para que essa vontade das pessoas ajudarem não se perca ou seja coisa de momento?
Milú -
Isso tem que ser permanente. Temos que ter uma manutenção do conceito de voluntário na nossa cultura. Nos Estados Unidos, eles segregam quem não é voluntário. Fazer alguma coisa por alguma causa é uma atitude valorizada. No Brasil, eu acho que a gente tem que introduzir esse conceito. Nós estamos tentando copiar o que acontece nos Estados Unidos e estamos atrasados.

Folha - Mas há uma rede informal de voluntários no Brasil que sempre ajudou, principalmente por motivação religiosa. Como fazer para não deixar de explorar essa motivação, que sempre existiu?
Milú -
Vamos saber muito mais sobre o perfil do voluntário neste ano. Há várias pesquisas sendo feitas. Uma das iniciativas que faremos neste ano para conhecer melhor as iniciativas individuais será, em parceria com os Correios, fazer um concurso para estimular as pessoas a escreverem suas histórias de voluntariado. A idéia é sorteamos um computador, uma TV ou algum prêmio que possa ajudar essas pessoas a desenvolverem seu trabalho. Sabemos que existem milhões de brasileiros anônimos sendo voluntários.

Folha - Como está sendo a receptividade dos empresários? Eles querem atuar mais em ações sociais?
Milú -
Eu acho que está mudando muito a mentalidade do empresariado. A maioria dos empresários hoje quer doar e quer participar.

Folha - A senhora terá amanhã uma reunião com a diretoria da Fiesp. Qual será o tema?
Milú -
Quero explicar aos empresários a proposta do Ano Internacional do Voluntário e dar alguns dados sobre o que está acontecendo em vários Estados brasileiros. Queremos divulgar iniciativas que estão dando certo de empresas, para que sejam ampliadas ou inspirem outras. O setor privado brasileiro está cada vez mais preocupado e consciente de sua responsabilidade social, mas é preciso ampliar essas ações.


Telefones do Centro de Voluntariado de São Paulo: 0800-11-1814 ou 0/xx/11/ 284-7171.


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