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PASQUALE CIPRO NETO
Do ócio ao batente num passe de vírgula
"Vírgula é para respirar.
Cada vez que se respira,
coloca-se uma vírgula." De Oiapoque (AP) a Chuí (RS), todos já
ouvimos essa definição "científica" numa aula de português.
Fora verdadeira a assertiva,
que seria dos asmáticos? Escreveriam uma palavra e uma vírgula,
uma palavra e uma vírgula, uma
palavra e uma vírgula. E, se a palavra fosse muito comprida, poriam uma vírgula no meio dela.
A vírgula não funciona como
bálsamo pulmonar, mas como
instrumento sintático e estilístico,
que se emprega de acordo com
certos preceitos. Entre sujeito e
verbo, por exemplo, não há vírgula, por mais longo que seja o sujeito. A razão da inexistência da vírgula é simples: sujeito e verbo têm
relação sintática direta (o verbo
concorda com o sujeito) e, se estão
lado a lado, é inútil separá-los.
Inútil e perigoso, perigosíssimo.
Em "Dorme minha pequena!",
"minha pequena" é sujeito; com
uma vírgula ("Dorme, minha pequena!"), transforma-se em vocativo. Tradução: deixa-se de afirmar que minha pequena dorme e
passa-se a pedir-lhe ou ordenar-lhe que durma.
Antes que alguém pergunte se
não seria obrigatório empregar a
forma "durma" para que houvesse ordem ou pedido, é bom lembrar que "dorme" é forma imperativa, da segunda pessoa do singular (tu), e "durma", também
imperativa, é da terceira pessoa
do singular (você, senhor/a etc.).
Morais da história: a) o sujeito
não é separado do verbo por vírgula; b) o vocativo é sempre isolado por vírgula(s).
Por falar em vocativo, a torcida
do Palmeiras resolveu homenagear o jogador Alex pelo antológico gol que o meia marcou contra
o São Paulo, há duas semanas. A
homenagem-provocação (o cartaz foi posto em frente ao centro
de treinamento do Tricolor) começa com a "narração" do lance
e termina com um agradecimento: "Obrigado mestre Alex". Não
faltou nada? Faltou a vírgula,
obrigatória depois de "Alex", vocativo. Em nome da beleza do
lance, corrijamos o agradecimento: "Obrigado, mestre Alex".
Agora, peço-lhe que leia este
trecho, transcrito (literalmente)
de uma de nossas revistas semanais: "Houve uma época em que
os ricos não trabalhavam para ter
tempo de desfrutar a riqueza".
Leia de novo. De acordo com a
frase, os ricos trabalhavam? Parece que sim, e a finalidade do trabalho não era ter tempo de desfrutar a riqueza. Era outra, que
poderia ser definida na sequência
do texto. E como seguia o texto?
Assim: "A aristocracia de Florença usava a riqueza para aproveitar a vida". Como se vê, a intenção é afirmar que os ricos não trabalhavam, mas isso só fica claro
quando se lê a segunda passagem.
Agora, coloque uma vírgula depois de "trabalhavam": "Houve
uma época em que os ricos não
trabalhavam, para ter tempo de
desfrutar a riqueza". Leia de novo. Alguma dúvida sobre o que se
diz? Parece que não. Agora, fica
mais do que claro que os ricos não
trabalhavam; dedicavam-se a
fruir das delícias da vida.
"Vírgula é para respirar..." Não
é. Uma mísera vírgula (ou a falta
de uma) pode mudar o sentido do
texto, ou, no mínimo, dificultar a
imediata compreensão. É isso.
Pasquale Cipro Neto escreve nesta coluna às quintas-feiras.
E-mail - inculta@uol.com.br
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