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MOACYR SCLIAR
A volta do filho pródigo
Cerca de 30 mil crianças e adolescentes fogem todo ano no Brasil. Oitenta
por cento voltam para casa. Dificuldades com a família e busca de independência são as causas mais freqüentes das fugas. A volta é acompanhada de arrependimento.
Folhateen, 28.mar.2005
Meus pais não me compreendem, ele pensava
sempre. As brigas, em casa, eram
freqüentes. Os pais reclamavam
do som muito alto, das roupas estranhas, das tatuagens. Revoltado, decidiu fugir de casa. Sabia
que, para seus velhos, aquilo seria
uma dura prova: afinal, ele era filho único. Mas estava na hora de
mostrar que não era mais criança. Estava na hora de dar a eles
uma lição. Botou algumas coisas
na mochila e, uma madrugada,
deixou o apartamento. Tomou
um ônibus e foi para uma cidade
distante, onde tinha amigos.
Ali ficou por vários meses. Não
foi uma experiência gratificante,
longe disso. Os amigos só o ajudaram na primeira semana. Depois
disso ficou entregue à própria sorte. Teve de trabalhar como ajudante de cozinha, morava num
barraco, foi assaltado várias vezes, até fome passou. Finalmente
resolveu voltar. Mandou um e-mail, dizendo que estaria em casa
daí a dois dias. E, lembrando que
a mãe era uma grande leitora da
Bíblia, assinou-se como "Filho
Pródigo".
Chegou de noite, cansado, e foi
direto para o prédio onde morava. Como já não tinha chave do
apartamento, bateu à porta. E aí
a surpresa, a terrível surpresa.
O homem que estava ali não era
seu pai. Na verdade, ele nem sequer o conhecia. Mas o simpático
senhor sabia quem era ele: você
deve ser o Fábio, disse, e convidou-o a entrar. Explicou que tinha comprado o apartamento em
uma imobiliária:
- Seus pais não moram mais
aqui. Eles se separaram.
A causa da separação tinha sido
exatamente a fuga do Fábio:
- Depois que você foi embora,
eles começaram a brigar, um responsabilizando o outro por sua
fuga. Terminaram se separando.
Seu pai foi para o exterior. De sua
mãe, não sei. Parece que também
mudou de cidade, mas não sei
qual.
Fábio não agüentou mais: caiu
em prantos. O homem se aproximou dele, abraçou-o. Entre aqui
no seu antigo quarto, disse, tenho
uma coisa para lhe mostrar. Ainda soluçando, Fábio entrou. E ali
estavam, claro, o pai e a mãe, ambos rindo e chorando ao mesmo
tempo. Tinha sido tudo uma encenação. Abraçaram-se, Fábio jurando que nunca mais sairia de
casa.
A verdade, porém, é que não
gostou da brincadeira, mesmo
que ela tenha lhe ensinado muita
coisa. Os pais, ele acha, não podiam ter feito aquilo. Se fizeram, é
por uma única razão: não o compreendem. Um dia, ele terá de
sair de casa. Mais tarde, naturalmente, quando for homem, quando tiver sua própria casa. Só que
aí levará os pais junto. Pais travessos como os que ele tem precisam ser controlados.
O escritor Moacyr Scliar escreve às segundas-feiras, nesta coluna, um texto de
ficção baseado em reportagens publicadas na Folha.
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