São Paulo, sábado, 04 de maio de 2002

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

LETRAS JURÍDICAS

O Brasil em sobressalto

WALTER CENEVIVA
COLUNISTA DA FOLHA

Em 1922 a Folha, recém-nascida, defendia o voto secreto em editorial. Oscar Pilagallo, em seu livro comemorativo dos 80 anos do jornal, que tem o mesmo título usado nesta coluna, traz o fac-símile do texto publicado, defendendo a mudança da lei para transformar o sufrágio popular em efetiva manifestação do eleitor, fugindo da farsa dos pleitos da época.
Num país em que o número de pessoas com mais de 50 anos de idade vem crescendo, parte dos fatos retratados na obra integrou o dia-a-dia de muitos leitores. Fiquei surpreso ao encontrar inúmeras referências ao temário constitucional no período histórico examinado. Aproveito o excelente trabalho e as pesquisas de Pilagallo para anotar fatos do Direito (selecionando uns poucos, como evidente) durante as lutas do jornal octogenário.
Superado o movimento constitucionalista de 1932, que o jornal defendeu, o governo de Getúlio Vargas terminou constrangido a aceitar a reconstitucionalização do país. Veio a Constituição de 1934, de vida breve, como a Carta alemã de Weimar, que lhe serviu de modelo. Foi revogada em 1937 por Getúlio, passando todos os poderes às mãos do ditador. Não se negue, porém, que sob Getúlio o Brasil superou a condição de país essencialmente agrícola por um processo de capacitação industrial, passo que a Segunda Guerra Mundial (1939-1945) mostrou ser imprescindível.
Pilagallo recorda a eleição do marechal Eurico Gaspar Dutra, sob a Constituição de 1946, essencialmente democrática, voltada para o federalismo e para a descentralização, invertendo o modelo getulista. Dutra governou com o "livrinho", jeito informal e simplório de referir a Constituição, que parecia um modo de "fixar na sociedade a imagem de um presidente legalista", nas palavras do autor. Jeito que, aliás, fez escola.
A influência dos fatos externos, permanente na vida brasileira, foi substituída, nos tempos posteriores ao conflito mundial, pela Guerra Fria, na bipolaridade dos Estados Unidos e da União Soviética.
A criação da Companhia Siderúrgica Nacional, a instauração do monopólio do petróleo (contra a opinião da Folha, no entendimento de que o capital nacional não era suficiente para a pesquisa no país), o desenvolvimento industrial e a agropecuária diversificada foram marcos do progresso. Vargas foi deposto, voltou eleito pelo povo, mas se matou em 1954, envolvido em escândalos. Em outros campos, ganhamos duas Copas do Mundo de futebol (58 e 62), e duas polegadas nos quadris da baiana Marta Rocha lhe tiraram o título no concurso de Miss Universo. Apesar de algumas fraturas, o processo democrático foi mantido até 1964 sob a Constituição de 1946, ressalvado o período posterior à renúncia de Jânio Quadros, com breve e malsucedida incursão pelo parlamentarismo.
Brasília, criação de Juscelino, feita em grande parte pela indústria de São Paulo, nasceu em 1960. Jânio foi o primeiro presidente a se empossar na nova capital por escassos sete meses. Sua renúncia acabou levando ao movimento militar de 1964 e aos atos institucionais que mantiveram apenas a formalidade da Constituição de 46, pois a vontade do poder predominava, tanto que impôs a Carta de 1967, emendada mais duramente em 69, somente deixando de existir em 88. Foram anos difíceis, de censura, de perseguições, de processos judiciais indevidos, até a restauração democrática. Daí por diante, são tempos de hoje. Pilagallo reconhece que a democracia está consolidada, mas não atingiu pleno amadurecimento. Para ele, "a história da democracia está apenas começando".



Texto Anterior: Entre 60 países, Brasil fica em terceiro em assassinato de jovens
Próximo Texto: Obra fecha trecho da av. Corifeu de Azevedo Marques
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.