São Paulo, sexta-feira, 04 de junho de 2004

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SISTEMA PRISIONAL

Governo força "convívio" de inimigos desde o ano passado; críticos da medida temem novos massacres

Rio mistura facções em nove presídios

SERGIO TORRES
DA SUCURSAL DO RIO

Oito penitenciárias e uma casa de custódia do Rio misturam em seus cárceres presos vinculados a diferentes facções criminosas. Com as novas ameaças de rebelião, há o risco de mais um massacre caso uma das facções domine a prisão, como ocorreu neste fim de semana na Casa de Custódia de Benfica (zona norte).
Confinar inimigos em um mesmo presídio é uma política adotada desde o ano passado pela Secretaria de Administração Penitenciária. O objetivo, segundo o secretário Astério Pereira dos Santos, é mostrar que quem manda na prisão é o governo, não os presos e suas facções.
Essa política foi confrontada durante o motim em Benfica. Pelo menos 30 presos foram mortos quando os rebelados, do CV (Comando Vermelho), invadiram o andar em que estavam os rivais do TC (Terceiro Comando). Alguns cadáveres estavam queimados e mutilados.
As mais importantes facções criminosas do Rio -CV e TC- dividem, além da casa de custódia, as penitenciárias Bangu 3 (zona oeste) e Vieira Ferreira Neto (Niterói, a 15 km do Rio). A secretaria não divulgou a proporção de presos de cada facção nas prisões.
As prisões Bangu 1 (zona oeste), Ary Franco (zona norte), Hélio Gomes (centro), Talavera Bruce (para mulheres, na zona oeste) e de Campos (a 280 km do Rio) e a Colônia Agrícola (Magé, a 60 km do Rio) têm presos do CV, do TC e da ADA (Amigo dos Amigos).
Ao dar entrada no sistema carcerário, o preso diz sua facção. Se não tem uma, fica com os da facção atuante na área em que mora.
Essa situação é criticada pelo juiz da Vara de Execuções Penais, Carlos Augusto Borges. Ele disse, por meio da assessoria do Tribunal de Justiça, que é preciso "combater as facções na origem".
"Hoje, quando um preso chega ao sistema penitenciário, perguntam de que facção ele é. Aí, mesmo que não seja de facção alguma, já fica sendo", afirmou.
Para o defensor público Alexandre Paranhos, que em 11 de abril deste ano vistoriou Benfica, um dos problemas do sistema carcerário é justamente essa mistura. "Em Benfica, o pessoal do TC dizia ter medo porque o CV tinha muito mais presos."
A medida também é criticada pelo presidente do sindicato dos agentes penitenciários, Paulo Ferreira, que a qualificou como "loucura". Nas contas do sindicato, o ideal seria o sistema carcerário fluminense ter no mínimo 5.000 agentes -tem 1.400, um para cada 140 dos cerca de 20 mil presos.

"Massacre anunciado"
O presidente da ONG (organização não-governamental) Conselho da Comunidade, Marcelo Freixo, que também vistoriou a prisão, previu uma tragédia em Bangu 3: "Misturar facções não enfraquece nenhuma delas. Pelo contrário, aumenta as rivalidades. É uma disputa sanguinária por espaço. Aconteceu em Benfica um massacre anunciado. Alertamos para Bangu 3, onde estão os principais líderes das facções. Nova matança pode acontecer".
O temor é consenso entre agentes penitenciários e representantes de entidades que acompanham a situação carcerária do Rio. Em Bangu 3 há cerca de mil presidiários. Metade é vinculada ao CV. A outra metade, ao TC. A separá-los, duas paredes de alvenaria com uma chapa de aço ao meio de cada uma.
Bangu 3 sempre foi ocupada pelo CV. Em abril, o governo estadual transferiu para lá cerca de 500 presos do TC, revoltando os rivais. Na rebelião da Casa de Custódia de Benfica, uma das reivindicações apresentadas pelos presos era a de que Bangu 3 voltasse a ser ocupada só pela facção.
Na tentativa de dificultar o armamento dos presos das duas facções, a Secretaria de Administração Penitenciária instituiu um sistema de rodízio. Quando houver a suspeita de que há armas nas celas, a secretaria pretende trocar os presos de galeria sem aviso prévio. Assim, as armas ficariam à disposição dos inimigos.
Anteontem à tarde, dois revólveres e uma granada foram encontrados na penitenciária.
Já um PM foi preso ontem de manhã tentando entrar em Bangu com uma arma de brinquedo e uma bomba de fabricação caseira.
O secretário Pereira dos Santos não foi localizado pela Folha para comentar as críticas à política do governo. Sua assessoria informou que há presídios, como o Hélio Gomes, em que o convívio entre grupos adversários é harmonioso.


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