São Paulo, domingo, 04 de julho de 2004

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Trauma atrapalha a vida das vítimas

DA REPORTAGEM LOCAL

Um dos jovens entra em pânico cada vez que vê um carro da polícia. A garota não quer sair de casa. Os outros se mudaram para cidades do interior. Assim vivem os suspeitos de roubar um PM em São Bernardo do Campo, segundo eles mesmos e seus familiares, desde que foram soltos e passaram a temer represálias por denunciarem uma suposta tortura.
Carlos (nome fictício), afirma que foi um dos mais agredidos. Em entrevistas para a televisão na época do incidente, o soldado da PM Wilson Russi Schilive disse que foi Carlos quem deu um tapa em sua filha de três anos durante o assalto.
"Não podia dizer que era inocente porque senão apanhava mais", diz Carlos. Ele afirma que levou socos, pontapés e teve dedos machucados com o uso de uma alicate e de um martelo na base comunitária da PM. Ele afirma que teve dificuldade para respirar durante um mês.
Segundo Carlos, ele e os demais foram levados para a base e apanharam ao mesmo tempo, em locais diferentes do prédio.
"Houve muita gritaria. Pessoas que passaram pelo local disseram que ouviram os berros." Familiares dizem que fizeram contato com essas pessoas, mas elas não teriam aceitado testemunhar por medo de represálias.
Hoje, Carlos diz que seu maior temor é de um flagrante forjado pela PM de algum crime. "Eu ando olhando para trás. Se vejo um carro da polícia, fico em pânico."
José (nome fictício), pai de um dos garotos presos, diz que chegou a acreditar, no primeiro momento, na versão da polícia de que os jovens teriam participado de um roubo de carro.
"Eles [os policiais] fizeram uma confusão tão grande que acreditei que eram [os jovens] culpados. Nos dias seguintes, descobri a farsa", afirma José.
Ele diz que viu quando Carlos, amigo de seu filho, foi preso pela PM. Passou na escola do filho para falar sobre a prisão e deu carona para outros dois colegas.
Quando chegava na casa da prima de Carlos, para avisar sobre o incidente, o grupo foi cercado pela polícia. O filho de José e os outros dois jovens também foram presos. Uma garota, ex-namorada de um dos presos, foi presa em uma rua vizinha.
José tentou seguir os carros da polícia, mas ficou preso no trânsito. Quando chegou no 3º DP de São Bernardo do Campo, ele não encontrou os jovens. Temerosos, familiares dos presos entraram em contato com um oficial da PM conhecido para ajudar na localização dos jovens.
A cobrança por informações feita por esse oficial é descrita em gravações do Copom (central de operações da PM). Os jovens chegaram no distrito mais de uma hora depois, segundo José.
Familiares dos jovens presos já pediram informações do Provita (Programa de Proteção a Vítimas e a Testemunhas Ameaçadas) de São Paulo.
"Os policias continuam na rua. Temos medo do que possa ocorrer. Mas se a gente ficar omisso, o que pode acontecer? ", questiona Fátima (nome fictício), prima de um dos jovens presos.
O advogado Ulisses Leite Reis, membro da comissão de direitos humanos da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) de São Bernardo e defensor de um dos jovens, afirma que os indícios não deixam dúvidas sobre a ocorrência de abuso policial.
"Os jovens foram torturados e acusados injustamente. Esse caso merece uma apuração o mais rápido possível", disse Reis. (GP)


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