São Paulo, sábado, 4 de julho de 1998

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

DATA VENIA
Futebol e direito de arena

SILMARA CHINELATO

Parece ser compreensível que o país do futebol tenha criado um direito peculiar para a proteção dos atletas. Refiro-me ao direito de arena, estranhamente previsto na Lei de Direitos Autorais de 1973 entre os direitos conexos, os que se referem a artistas, intérpretes e executantes.
A inserção do direito de arena na Lei de Direitos Autorais provocou polêmica entre os autoralistas, como Walter Moraes e Oliveira Ascensão, já que atletas não são autores, artistas, intérpretes ou executantes.
Alguém poderia sustentar que os dribles do venerado Garrincha faziam dele um verdadeiro artista, um dançarino talvez. Pode ser, concordo. Não, porém, do ponto de vista da técnica jurídica. Por isso, em boa hora, a nova Lei de Direitos Autorais (lei 9.610, de 19/02/98) não mais prevê o direito de arena.
A Constituição Federal assegura no artigo 5º, inciso 28, proteção às participações individuais em obras coletivas e à produção da imagem e voz humanas -direitos da personalidade- inclusive nas atividades desportivas. Isso já seria suficiente para garantir o direito dos atletas, que não poderia ser afastado por legislação ordinária.
Ficou o direito de arena sem a tutela legal específica, conforme sustentaram alguns juristas? Para alívio geral, não. Está ele onde deveria: na lei 9.615, de 24/3/98, que institui normas gerais sobre desporto (Lei Pelé). O artigo 42 reproduz, com pequenas alterações, o que já constava no artigo 24 da lei que ela substituiu e revogou (8.672/93). Comparando a lei vigente com esta e a Lei de Direitos Autorais de 1973, aponto as principais diferenças. Observo que o direito de arena ("reprodução física" do espetáculo) não afasta o direito à imagem de cada atleta que for destacado, como, por exemplo, em foto (C.F. artigo 5º, incisos 5 e 10).
A lei nova só se refere à fixação, transmissão ou retransmissão de imagem (essência do evento desportivo), o que constitui um aperfeiçoamento da lei de 73. Os demais aspectos do chamado "direito ao espetáculo", como só o relato radiofônico, serão objeto de outros negócios jurídicos.
Alterou-se, ainda, o tempo de transmissão gratuita, para fins jornalísticos ou educativos: 3% em vez de três minutos.
O direito de arena pertence às entidades de prática desportiva -com pagamento obrigatório de porcentagem aos atletas- e não, como na lei de 73, à entidade a que estiverem vinculados, que nem sempre é a organizadora do evento. Respeitando a Constituição Federal, será devido também em espetáculos com entrada gratuita, porque ela não afasta o lucro indireto. Essa me parece ser inovação muito relevante em favor dos atletas, aspecto que se aproxima das diretrizes do direito autoral. O conceito de lucro indireto -por exemplo, da publicidade, do prestígio, da captação de clientela etc- sempre foi considerado para gerar pagamento de direitos autorais. Afinal, artistas (agradeço a eles todos os dias por existirem) são trabalhadores. Atletas também.


Silmara J. A. Chinelato e Almeida, advogada, é professora de direito civil e autoral da Universidade de São Paulo, conselheira do Instituto dos Advogados de São Paulo e diretora da Brasilcon (Instituto de Política e Direito do Consumidor)



Texto Anterior | Próximo Texto | Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.