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LETRAS JURÍDICAS
Direitos humanos
no século 21
WALTER CENEVIVA
da Equipe de Articulistas
As oposições americanas criticaram vigorosamente a visita do presidente Bill Clinton à
China porque representaria
uma forma de apoio a um governo que tem desrespeitado,
na visão estadunidense, os direitos humanos. Verifico que,
na espécie, o santo nome do
direito foi tomado em vão,
com grande hipocrisia, porque é evidente que, para qualquer governo, republicano ou
democrata, dos Estados Unidos ou de outra nação, a possibilidade de atrair clientela
com 1,3 bilhão de candidatos
potenciais à compra de produtos exportáveis é mais importante que os direitos humanos.
Os direitos humanos estão
entre as preocupações novas,
surgidas nesta metade do século, às quais, antes, não se
dava muito realce. São difusos, coletivos, interessando
pessoas nem sempre (ou até
raramente) identificáveis, cuja proteção transcende os sistemas de governo. Contudo, a
avaliação serena dos direitos
humanos, praticados nas democracias e nas ditaduras,
destaca graus diferentes. Naquelas, críticas podem ser feitas; os meios de comunicação
fazem denúncias. Os responsáveis são estimulados a preservar, no mínimo, sua boa
aparência ante os votantes.
Mas, mesmo nas democracias,
há interesses econômicos predominantes. A visita de Clinton dá o exemplo mais atual
disso. A intensa relação comercial com a China é compatível com os interesses comerciais americanos (tanto
no pólo exportador quanto no
importador), ainda que o regime comunista chinês insista
em anexar Taiwan, persista
em restringir a ação do Dalai
Lama, ainda que provoque
episódios como os da praça da
Paz Celestial. Evidente que a
hipocrisia não pode ir a ponto
de esquecer, aqui e ali, a forte
referência a que essas coisas
devem mudar, mas, mudem
ou não mudem, o comércio
continuará a ser incentivado,
de modo que a imensa clientela não caia em outras mãos.
O ocasional exemplo da visita de Clinton pode ser desdobrado quanto a outros fatos e países. Tem suficiência
para permitir duas dúvidas,
pelo menos, no espírito do leitor. A primeira: Qual o papel
dos operadores do direito em
face da hipocrisia (ou, se quiserem, do utilitarismo) dos
pronunciamentos lamentosos,
ante a realidade das grandes
transações comerciais? A segunda: Continuaremos, no século 21, no mesmo nível, ou
acontecerá o predomínio dos
direitos humanos sobre outros
interesses?
Minha resposta para a primeira pergunta é que o operador do direito não é extraterreno, alheio aos fenômenos
bons e maus da vida na sociedade mundial. O conflito entre certos valores materiais, os
direitos humanos e a ética
correspondente deve priorizar
soluções legais preservadoras
destes, ainda que passando
por transições e transformações até a satisfação dos objetivos jurídicos ou sua melhora
substancial.
A resposta da segunda pergunta consiste na convocação
do maior número de pessoas,
com compreensão e visão de
futuro bem marcada, mostrando, por exemplo, ser melhor não pagar tão barato pelos produtos chineses (que fazem enorme sucesso comercial
nos Estados Unidos, onde ajudam a baixar a inflação), mas
preservar mão-de-obra contra
remuneração vil, ainda que o
custo aumente. Comprar produtos importados sem considerar a relação entre baixo
preço e a mão-de-obra muito
mais barata do que a do próprio país corresponde a mergulhar na mesma hipocrisia
geral, tirando valor da sustentação ruidosa, mas sem substância, dos direitos humanos
agora e no futuro.
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