São Paulo, domingo, 04 de setembro de 2005

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DANUZA LEÃO

Gabeira, meu herói da semana

Estou com Fernando Gabeira e não abro. O deputado, conhecido por sua calma e serenidade, perdeu as estribeiras, mas o que disse sobre o presidente da Câmara, Severino Cavalcanti, ainda foi pouco: poderia ter dito muito mais.
Severino é um jagunço que mal consegue articular uma frase. Vejo, como num filme, o ilustre deputado descalço, calça arregaçada, chapéu de palha na cabeça, andando por uma estrada lamacenta, com uma enxada no ombro, se dirigindo à lavoura -com todo o respeito aos lavradores. Esta Câmara, que tanta vergonha nos causa, com Severino fica pior ainda. Muito pior.
Ele é a imagem do atraso, da ignorância, do corporativismo, de tudo de que o Brasil deveria se livrar. Seria apenas um pobre coitado, se não fosse deputado e o segundo na linha de sucessão à Presidência. Aliás, ele é um pobre coitado, só que com poder, o que é inconcebível e pior: perigoso.
Não dá para acreditar que Severino é quem comanda a Câmara; que esteja nas suas mãos a condução dos projetos e que sua opinião sobre a punição dos ladrões que roubaram nosso dinheiro tenha algum valor. Como diz Millôr Fernandes, eles não roubam só nosso dinheiro: roubam também nosso tempo, já que ficamos horas diante da TV vendo esse espetáculo tedioso das CPIs, que parece não ter fim.
Gabeira foi meu herói da semana: é inteligente, coerente, ético, íntegro, e o Brasil seria um país de sorte se tivéssemos na Câmara uns 20 como ele; se fossem dez, já seria uma maravilha. Torço para que ele consiga, naquele cipoal de regimentos internos, assinaturas suficientes para tirar Severino do posto que ocupa. Ele é a cara do país que eu gostaria de ter, e é bom lembrar que foi o primeiro a deixar o PT, muito antes dos escândalos do partido serem nacionalmente conhecidos.
Pela primeira vez na vida eu gostaria de ser deputada; para agitar, tentar convencer os colegas, colher todas as assinaturas necessárias para banir os severinos da vida pública -ele e outros. Essa vontade durou cinco segundos, mas já passou; só de pensar em conviver com uma Câmara que possui deputados que, em sua maioria, não mereceriam ter o mais modesto cargo público, pois se tivessem já estariam armando alguma para botar a mão no nosso dinheiro, já me sinto mal. É preciso ter estômago de avestruz, para passar de terça a quinta -pouquinho, não?- cruzando nos corredores com essa corja que, penso eu, em nenhum momento pensa no que poderia fazer para verdadeiramente melhorar o país.
Vou terminar por aqui com medo de me tornar ridícula, ao lembrar que a obrigação dos nossos políticos é cuidar do Brasil.
Isso pode cheirar a patriotismo, o que, no momento que vivemos, é uma palavra que soa quase como pornografia.

E-mail - danuza.leao@uol.com.br

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