|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
DANUZA LEÃO
Gabeira, meu herói da semana
Estou com Fernando Gabeira e não abro. O deputado,
conhecido por sua calma e serenidade, perdeu as estribeiras, mas o
que disse sobre o presidente da
Câmara, Severino Cavalcanti,
ainda foi pouco: poderia ter dito
muito mais.
Severino é um jagunço que mal
consegue articular uma frase. Vejo, como num filme, o ilustre deputado descalço, calça arregaçada, chapéu de palha na cabeça,
andando por uma estrada lamacenta, com uma enxada no ombro, se dirigindo à lavoura -com
todo o respeito aos lavradores. Esta Câmara, que tanta vergonha
nos causa, com Severino fica pior
ainda. Muito pior.
Ele é a imagem do atraso, da ignorância, do corporativismo, de
tudo de que o Brasil deveria se livrar. Seria apenas um pobre coitado, se não fosse deputado e o segundo na linha de sucessão à Presidência. Aliás, ele é um pobre coitado, só que com poder, o que é
inconcebível e pior: perigoso.
Não dá para acreditar que Severino é quem comanda a Câmara; que esteja nas suas mãos a
condução dos projetos e que sua
opinião sobre a punição dos ladrões que roubaram nosso dinheiro tenha algum valor. Como
diz Millôr Fernandes, eles não
roubam só nosso dinheiro: roubam também nosso tempo, já que
ficamos horas diante da TV vendo esse espetáculo tedioso das
CPIs, que parece não ter fim.
Gabeira foi meu herói da semana: é inteligente, coerente, ético,
íntegro, e o Brasil seria um país de
sorte se tivéssemos na Câmara
uns 20 como ele; se fossem dez, já
seria uma maravilha. Torço para
que ele consiga, naquele cipoal de
regimentos internos, assinaturas
suficientes para tirar Severino do
posto que ocupa. Ele é a cara do
país que eu gostaria de ter, e é
bom lembrar que foi o primeiro a
deixar o PT, muito antes dos escândalos do partido serem nacionalmente conhecidos.
Pela primeira vez na vida eu
gostaria de ser deputada; para
agitar, tentar convencer os colegas, colher todas as assinaturas
necessárias para banir os severinos da vida pública -ele e outros. Essa vontade durou cinco segundos, mas já passou; só de pensar em conviver com uma Câmara que possui deputados que, em
sua maioria, não mereceriam ter
o mais modesto cargo público,
pois se tivessem já estariam armando alguma para botar a mão
no nosso dinheiro, já me sinto
mal. É preciso ter estômago de
avestruz, para passar de terça a
quinta -pouquinho, não?-
cruzando nos corredores com essa
corja que, penso eu, em nenhum
momento pensa no que poderia
fazer para verdadeiramente melhorar o país.
Vou terminar por aqui com medo de me tornar ridícula, ao lembrar que a obrigação dos nossos
políticos é cuidar do Brasil.
Isso pode cheirar a patriotismo,
o que, no momento que vivemos,
é uma palavra que soa quase como pornografia.
E-mail - danuza.leao@uol.com.br
Texto Anterior: Há 50 anos: Nobel critica atuação francesa na África Próximo Texto: Retrato urbano: Bairros mudam com a redução de crianças Índice
|