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Aeronáutica suspeita de defeito no Legacy
Por causa de "mau contato", equipamento anticolisão do jatinho não teria informado o do Boeing sobre a iminência do acidente
A falha técnica não explica, contudo, por que o avião estava a 37 mil pés, quando deveria estar a 36 mil pelo plano de vôo da aeronave
ELIANE CANTANHÊDE
COLUNISTA DA FOLHA
As autoridades aeronáuticas
suspeitam que possa ter havido
um "mau contato" no transponder do jato Legacy que colidiu e derrubou o Boeing 737-800 da Gol na sexta-feira passada matando 155 pessoas.
A falha técnica não explica,
contudo, por que o avião estava
a 37 mil pés, quando deveria estar a 36 mil pelo plano de vôo da
aeronave, que seguia de São José dos Campos (SP) para Manaus (AM) e os Estados Unidos.
Esse "mau contato", por problema em algum botão ou fio de
conexão, integra uma seqüência de falhas técnicas e humanas, possibilitando o choque de
duas das aeronaves mais modernas do mundo em pleno ar,
num acidente considerado
"praticamente impossível" por
oficiais da Aeronáutica.
O transponder é o equipamento que envia os dados relativos ao avião para outras aeronaves e para o centro de controle. Inativo, o equipamento
não fez a ponte entre os sistemas anticolisão do Boeing da
Gol e do Legacy.
O do Legacy ficou desligado
após ele entrar na rota entre
Brasília e Manaus. Com isso,
ele virou um ponto sem identificação no radar.
Sem resposta
Os controladores -que não
haviam notificado o avião de
que ele deveria cumprir seu
plano de vôo e descer a 36 mil
pés para evitar a "pista" contrária da rota em que entrava-
tentaram, então, alertar o Legacy de que os sinais do transponder haviam sumido dos radares. Mas não houve resposta.
O Legacy, que transportava
sete pessoas, incluindo o piloto
e o co-piloto, só foi ressurgir
nos radares depois do acidente
com o Boeing.
A hipótese de falha faz companhia à de que o equipamento
foi desligado propositalmente
pelo piloto, embora isso não seja possível afirmar.
Se fosse uma falha técnica,
por que o piloto não recuou dos
37 mil pés de altitude para os 29
mil exigidos em situações semelhantes? Ele pode não ter
percebido.
O Legacy decolou de São José
dos Campos (SP), sede da Embraer, com plano de vôo para 37
mil pés até Brasília e de 36 mil
daí em diante até Manaus.
O acidente foi a 37 mil pés,
indicando aí duas falhas: nem o
piloto baixou o que deveria pelo
plano de vôo nem baixou mais
ainda, para uma altitude de segurança, quando o transponder
saiu do ar -na hipótese de falha
técnica.
Uma hipótese considerada
por altos oficiais da FAB é que o
choque resolveu o mau contato
do Legacy, religando fios ou botões. Cerca de três minutos depois, o piloto acionou o código
7.700 do transponder, que emite o sinal de emergência para os
radares do sistema aéreo.
A FAB virtualmente descarta
qualquer culpa do Boeing da
Gol. Também considera pequena a possibilidade de erro do
sistema de controle de tráfego
aéreo -o que é compreensível,
já que são seus homens que fazem o trabalho e poderiam ser
responsabilizados.
Há, porém, dúvidas quanto a
eventuais falhas do sistema aéreo, inclusive porque o choque
foi numa fase do vôo em que o
controle do Legacy seria transmitido do Cindacta-1, com sede
em Brasília, para o Cindacta-4,
com sede em Manaus.
Na Aeronáutica, há esforço
para descaracterizar alguma
chance de um "buraco negro"
ter causado o acidente.
Consultado ontem pela Folha, o Comando da Aeronáutica classificou "buraco negro"
de "anomalia magnética" e admitiu que isso pode ocorrer na
região da serra do Cachimbo,
onde foi o choque, mas ressalva: é típico de baixas altitudes,
em alguns horários, dependendo da radiação solar e até da camada de ozônio.
Um fenômeno, enfim, que
escapa ao controle técnico e
que não teria sido responsável
por esse acidente específico.
A alegação é que, no mesmo
local e na mesma hora, os radares do Cindacta registravam
tanto o próprio Boeing quanto
um avião da TAM. Por que não
o Legacy?
De todo modo, não está colocado que isso tenha causado o
acidente. O "buraco negro"
também é chamado assim por
operadores porque as freqüências de rádio não funcionam
bem na área -e Brasília não
conseguiu falar com o Legacy.
Desintegração
Pelas informações que a Aeronáutica repassa à cúpula do
governo, há fortes indícios de
que o Boeing da Gol "desintegrou-se" no ar. Isso teria sido
possível em caso de queda súbita, na vertical.
O avião, de uma altura de 37
mil pés (cerca de 11,2 km), teria
entrado em velocidade supersônica. Como não tem estrutura para isso, desintegrou-se em
pleno ar.
A desintegração explicaria
por que o avião não explodiu no
impacto com o solo, apesar de
transportar 3 toneladas de querosene (uma para cada hora até
o Rio, destino final do vôo). O
querosene teria sido espalhado
no ar, durante a queda.
Explicaria, também, porque
as partes do avião e os corpos
das 155 pessoas a bordo espalharam-se por um raio de 20
quilômetros, com longas distâncias entre os pedaços.
Uma queda imediata, na vertical, só foi possível porque o
Legacy, que é muito menor e foi
pouco danificado, teria atingido um "ponto sensível", ou a
"superfície de comando", do
Boeing, um avião bem maior e
mais forte.
Avalia-se que a asa e a cauda
do Legacy bateram de raspão
ou na asa ou no profundor (parte de trás, onde fica a cauda) do
avião. Um pequeno choque,
mas numa área vital.
Se batesse no motor, por
exemplo, haveria fortes chances de o Boeing ter resistido ao
impacto, se reequilibrando e
pousando, mesmo que precariamente -como ocorreu com
o Legacy, no qual todos os sete
passageiros escaparam ilesos.
Apenas a análise das caixas-pretas irá mostrar o que realmente aconteceu. A do Boeing,
após ser copiada pelas autoridades brasileiras, será levada
para o fabricante, nos EUA. A
do Legacy já está na Embraer.
Colaborou a Sucursal de Brasília
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