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São Paulo, quarta-feira, 05 de fevereiro de 2003

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TRANSPORTE

Viação deficitária será gerida pelo município; procuradora vê ação de empresários contra licitação

Greve acaba; prefeitura paga a conta

Ormuzd Alves/Folha Imagem
Fila de passageiros no terminal São Mateus, na zona leste


DA REPORTAGEM LOCAL

Depois de deixar 3,5 milhões de passageiros sem transporte em São Paulo durante 40 horas, motoristas e cobradores de ônibus começaram a voltar ao trabalho ontem à tarde, em meio a acusações de que a paralisação foi incentivada por empresários.
A volta ao trabalho foi decidida após uma audiência no TRT (Tribunal Regional de Trabalho), sem que fossem definidos os principais interesses de empregados e patrões: evitar a licitação do novo sistema de transporte paulistano, que movimentará perto de R$ 15 bilhões nos próximos dez anos.
Empresários e trabalhadores, porém, saíram da greve praticamente na mesma situação em que entraram. Já a prefeitura, além de arcar com o desgaste político provocado pelo movimento, terá de assumir a responsabilidade de operar a frota de 344 veículos da América do Sul, viação deficitária da zona leste, cujo proprietário entregou as linhas na sexta.
O secretário dos Transportes, Jilmar Tatto, classificou a paralisação como apenas um "primeiro round" da disputa política para mudar as regras do transporte. "Neste primeiro semestre, a cidade vai passar por turbulências em razão da licitação. Novos embates virão porque há resistência ao novo modelo", afirmou.
Mesmo depois de ter suspendido temporariamente anteontem a entrega dos envelopes da licitação, ele pretende defini-la ainda na semana que vem, depois de prestar esclarecimentos aos conselheiros do TCM (Tribunal de Contas do Município) que apontaram irregularidades no edital.
A idéia de que a paralisação dos condutores foi articulada pelos donos das viações, como Tatto já havia dito anteontem, voltou a ser levantada pela procuradora do Trabalho Laura Martins Maia de Andrade. "Não há provas de atraso salarial ou um motivo suficiente para que a greve fosse deflagrada. Tudo coincidiu com esse momento da licitação. Tudo leva a crer que as viações não estão querendo atender às regras legais e se furtando a prestar um serviço."
Os indícios da "parceria" entre as duas partes seriam os interesses das mesmas de evitar a continuidade da licitação. Os empresários que atuam na capital paulista, em uma ação articulada, já haviam deixado de depositar, no final da semana passada, a caução exigida para a entrega das propostas. Eles contestam as regras de remuneração do futuro sistema de transporte, que a prefeitura pretende implantar até julho.
O secretário dos Transportes também cita a "facilidade" com que os trabalhadores deixaram os ônibus nas garagens, sem que houvesse pressão dos patrões ou ameaças de demissão.

Conciliação
A audiência de conciliação no TRT foi pedida pelo Ministério Público do Trabalho, e não pelos patrões. Em razão do acordo, os motoristas não terão de pagar uma multa de R$ 50 mil estipulada no dia anterior pelo tribunal por não manter 80% da frota nos horários de pico e 60% no restante do dia. Ontem de manhã, apenas 444 ônibus, de duas viações, rodaram -ou seja, 5% do total.
A conciliação no TRT prevê que os vales-refeição atrasados em algumas empresas serão pagos em 48 horas, que os funcionários vão compensar e receber os dias parados e que a falta de repasse do INSS e FGTS será discutida com mediação do Ministério Público.
O acordo também prevê uma "blindagem" para os salários que deveriam ser depositados hoje. As negociações serão feitas diretamente pelo sindicato com cada uma das 39 empresas do sistema, havendo uma tolerância de atraso para evitar novas greves.
O maior ônus, entretanto, ficará com a prefeitura. A SPTrans (órgão municipal que cuida do setor) ficou responsável por requisitar a frota da viação América do Sul. Segundo a Folha apurou, a decisão era esperada e foi comemorada pelo dono da empresa, que terá direito a uma indenização pelo fornecimento dos ônibus -ou seja, não ficará com os veículos parados e ainda receberá um valor a ser definido posteriormente.
A prática de assumir a gestão de empresas vinha sendo rejeitada por Tatto por causa dos riscos de prejuízo aos cofres públicos. Nos últimos dois meses, por exemplo, foram gastos quase R$ 20 milhões em intervenções da SPTrans em duas viações, segundo Edivaldo Santiago, presidente do sindicato dos motoristas e cobradores.
A prefeitura, embora use dinheiro arrecadado pelo próprio sistema de transportes, é obrigada a prestar contas aos empresários no final dos contratos, e, se preciso, assumir dívidas não cobertas.
Ao assumir a América do Sul, a SPTrans passa a gerenciar mais de 10% da frota paulistana -ela já cuida de empresas de Romero Niquini, que tiveram contratos rescindidos no final de 2002 e que também eram deficitárias.


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