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GILBERTO DIMENSTEIN
Como seria a despedida de Serra
Caso José Serra resolva disputar a Presidência da República, uma de suas explicações
para deixar tão precocemente o
cargo de prefeito certamente estará baseada nos números de uma
pesquisa mostrando o aumento
do número de miseráveis na cidade de São Paulo.
A partir de dados do IBGE, um
estudo do Instituto de Estudos do
Trabalho e Sociedade (Iets) mostrou que, em apenas um ano, de
2003 a 2004, a quantidade de pobres da região metropolitana de
São Paulo cresceu em 241 mil pessoas -o que daria para lotar
quatro estádios do Morumbi.
Com esse acréscimo, provocado
pelo desemprego e pela perda de
renda dos trabalhadores, haveria,
nessa região, 7,5 milhões de pobres, numa população de 18 milhões de habitantes. Apenas na cidade de São Paulo, a pobreza
atingiria cerca de 3,5 milhões de
pessoas, das quais pelo menos a
metade seria de indigentes; nenhuma cidade das Américas tem
tantos pobres juntos. São dados
que se refletem, por exemplo, na
informação, divulgada na semana passada, de que ocorrem mensalmente cerca de cem seqüestros
relâmpagos na cidade.
Tais fatos serviriam para justificar a idéia de que um Serra presidente conseguiria, neste momento, fazer mais pela qualidade de
vida da cidade à qual se comprometeu governar até o fim do
mandato do que um Serra apenas
prefeito.
São Paulo seria um barril de
pólvora -e Serra quer se apresentar como o mais habilitado a
apagar o pavio antes que seja tarde demais.
Serra sabe que tem pela frente
uma série de dificuldades, a começar do enfrentamento com Geraldo Alckmin. Se o prefeito sair
candidato, não será prudente ter
um governador tão popular distante ou, nos bastidores, fazendo-lhe resistência na campanha.
Longe das câmeras e dos palanques, o clima entre os dois não está bom; aliás, caminha para o
péssimo. Num momento de irritação, o governador chegou a insinuar que estaria disposto a bater
chapa numa convenção parti-
dária.
A pesquisa DataFolha revela
hoje que Lula, recuperando alguns pontos perdidos em seu prestígio, nem de longe está morto, como se dizia até pouco tempo
atrás. São abundantes os sinais de
que sua candidatura vem, neste
momento, ganhando fôlego, impulsionada por fatos como aumento do salário mínimo, ampliação do Bolsa-Família, quitação antecipada da dívida com o
FMI, redução da taxa de desemprego, auto-suficiência em petróleo e redução da desigualdade social. Há ainda um bom estoque
de jogadas disponíveis até o dia
da eleição.
Na galeria de dificuldades do
prefeito, está o humor do paulistano. Se quiser medir esse humor,
veja em meu site (www.dimenstein.com.br) o tom dos 180 e-mails que recebi sobre a possibilidade de mudança na prefeitura.
O que está em jogo, na verdade,
não é o humor provinciano, mas
a construção de um discurso capaz de convencer o eleitor de que
a promessa quebrada não seria
conseqüência de uma ambição
pessoal, mas de um projeto de nação. Ele sabe que serão usadas pelos adversários eleitorais as imagens de suas juras de que ficaria
até o final do mandato no cargo.
O ataque será pior se Marta Suplicy for candidata ao governo de
São Paulo, ainda com sede de revanche.
Não basta o prefeito ser o candidato mais forte -e, segundo o
DataFolha, esse é seu principal
cacife-, é preciso que tenha um
discurso para que não seja abatido moralmente pelos adversários.
Serra quer se apresentar como o
político brasileiro mais preparado para desmontar as armadilhas
que travam um crescimento mais
acelerado, sem o qual as regiões
metropolitanas -a começar da
cidade de São Paulo- não conseguiriam gerar empregos, aumentar os salários, reduzir a violência
e ampliar o gasto social. Seria essa, na verdade, a melhor porta de
saída contra a miséria, e não os
programas de renda mínima.
Diante de conquistas tão grandiosas, inclusive para os paulistanos, ele se apresentaria como
compelido, contra a sua vontade,
a rasgar o documento que assinou de que cumpriria seu mandato municipal. Nesse contexto
de salvação do crescimento, as
restrições à sua candidatura não
passariam, assim, de uma visão
provinciana, sem levar em conta
o Brasil.
Se o argumento vai convencer, é
outra discussão. Uma coisa é certa: se ele sair e vencer, deixará São
Paulo. Se der errado, terá vontade, por um bom tempo, de sair de
São Paulo.
P.S.: Aquela pesquisa feita pelo
Iets ajuda a tornar mais complexa a discussão sobre a miséria. O
resultado é o seguinte. O grosso
da miséria brasileira, em números absolutos, não está no Nordeste, mas no Sudeste, especialmente
em suas regiões metropolitanas.
Políticas sociais que não coloquem a questão metropolitana
no topo da agenda serão falhas e
estimularão ainda mais o desperdício de dinheiro público. Daí que
parte de nossa solução depende
tão ou mais de um conjunto de
bons prefeitos do que de um bom
presidente. Isso não é provinciano, mas apostar na construção de
um país de baixo para cima, no
qual a cidade é o epicentro das
políticas públicas.
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