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Quando eles nasceram, a internet já existia; para a geração que começa
a chegar à idade adulta, a tecnologia é uma extensão do próprio cérebro
Os www babies
DÉBORA YURI
DA REVISTA DA FOLHA
Você, como boa parte da humanidade, não se cansa de dar vivas
diários à existência do e-mail
("Putz!, como facilita a vida...") e é
habitué das salas de bate-papo?
Vive lembrando como era a vida
antes da internet e dando graças
aos céus por esse "novo mundo",
especialmente por estar sintonizado com ele? Você é certamente
um "imigrante digital": aculturado, talvez até fluente no idioma
praticado, mas constantemente
desmascarado pelo sotaque.
Os verdadeiros "nativos digitais" costumam achar e-mail um
porre. É burocrático, restritivo,
demora para ser enviado e mais
ainda para ser respondido. Já os
"chats" são "impessoais", dizem,
você mal sabe com quem está falando. Para eles, internet discada e
orelhões poderiam ser expostos
num museu, ao lado do MS-DOS
-o sistema operacional que, em
cerca de 25 anos, virou um dinossauro cibernético.
Eles são parte da primeira geração que nasceu, cresceu e está
chegando à fase adulta no mundo
computadorizado, dos games da
infância à socialização virtual na
adolescência. É nele que definem
suas vidas escolar, social, amorosa -e até a familiar. Não imaginam o mundo de outro jeito.
"Os nativos tendem a ver a tecnologia como uma amiga e uma
extensão de seu cérebro, enquanto os imigrantes a encaram como
uma ferramenta que eles precisam dominar", compara o educador americano Marc Prensky, 59,
responsável pelo conceito de "nativos e imigrantes digitais". Os
primeiros, fluentes no novo idioma, a tecnologia digital. Já os segundos... "A metáfora me soou
real quando percebi que os "imigrantes digitais" têm um sotaque,
um pé nas raízes do passado, como imprimir seus e-mails e não ir
automaticamente à internet para
procurar uma informação", diz.
Usando a música pop como
ilustrativo, os avós dos "nativos"
aguardavam na porta das lojas
por cada novo vinil dos Beatles; os
pais contavam os dias para comprar um CD do Guns N'Roses.
Eles, em compensação, nem precisam sair de casa para pôr as
mãos no álbum da banda-sensação inglesa Arctic Monkeys: baixam as faixas no micro.
O fenômeno Arctic Monkeys,
aliás, é exemplar dessa mudança.
Seu primeiro CD, "Whatever People Say I Am, That's What I'm
Not", tornou-se, no domingo passado, o disco de estréia mais vendido de toda a história do Reino
Unido. Graças à web, o quarteto
tinha hits cantarolados em todos
os cantos antes mesmo de seu primeiro álbum chegar às lojas.
Fosso
Apavorados talvez seja exagero,
mas não há dúvida de que a tecnologia ajuda a cavar mais fundo
a imagem do fosso entre as gerações. "Existe muita incompreensão", diz Prensky. Os "imigrantes" não crêem em relações exclusivamente digitais: ligam para saber se fulano recebeu um e-mail e
pensam só no lado perigoso.
Os imigrantes chiam, mas tentam se adequar. "A internet acaba
com o convívio familiar; meu filho chega em casa e vai direto pra
frente da telinha", conta a aposentada Meire Riederer, 57. "Para
conseguir falar com ele, resolvi
aderir. Do meu quarto, eu entro
no MSN (programa que permite
trocar mensagens on line) e converso com o Rudolf no quarto dele, nós dois dentro da mesma casa. A ponto de eu escrever: "Filho,
vamos descer para jantar?'".
Situação familiar absurda? Não
hoje em dia. "Não adianta ir falar
com ele no quarto dele, porque
está sempre concentrado na tela.
E, mesmo no MSN, se fico muito
tempo puxando papo, ele logo "fala': "Mãe, tchau, estou conversando com outras pessoas"."
Rudolf Andreas, 15, relata que
fica "o tempo todo conectado, em
casa ou na escola, no recreio". Ele
leva na mochila seu palmtop recheado de músicas. Seu colégio, o
Santo Américo, no Morumbi, instalou uma rede wi-fi (sem fio),
tecnologia que permite conectar a
internet de qualquer lugar do
campus. "Faço pesquisas e anotações na escola e mando para casa,
reservo livros na biblioteca sem
precisar sair do lugar".
A ferramenta número um dessa
moçada é o MSN. O Orkut é outra
arma popularíssima. Os blogs
aglutinam gente com interesses
parecidos, o que facilmente caminha para algo mais. Por fim, vem
o celular, geralmente com câmera, e o recurso campeão na hora
de passar uma cantada -o SMS,
ou torpedo. Não à toa, muitos
adolescentes gastam mais dinheiro digitando ferozmente torpedos
açucarados/apimentados do que
com a conta telefônica em si.
Tudo (ou quase tudo) é feito via
web. "Meu atual namorado é um
antigo amigo de escola que me
achou no Orkut, aí fomos para o
MSN, daí para o celular e, no fim,
"ao vivo". Estou com ele há seis
meses", conta Bárbara Guimarães
Weiss Rodrigues, 19, que fica conectada "o dia e a noite inteiros".
Bloquear a gosto
Rudolf explica a preferência:
"Você "pega" na hora. Se quer
qualquer coisa com a menina, pede o MSN dela. É mais fácil conversar por ele, não dá aquele medo de travar a voz, você se solta
mais", explica ele. Há outra vantagem: é possível bloquear os indesejáveis, dizer que está on-line
mas ocupado e conversar só com
quem interessa no momento.
Alguns "imigrantes" se aproveitam das vantagens tecnológicas.
"Tem um lado meio "Big Brother"
na internet. Se quero saber da vida da minha filha, entro no Orkut
dela. Os amigos fizeram até uma
comunidade para ela, e um dos
tópicos era "Gente, que nota vocês
dão para o beijo da Carol?". Que
vergonha eu senti!", conta a empresária Luciana Juhas, 32, mãe
de Carolina Juhas Bezerra, 15.
Quando está trabalhando, a assistente administrativa Marilene
Simões da Silva, 27, entra no MSN
"por causa" da filha, Bruna, 9. "Às
vezes, ela me chama pra contar
que brigou com a avó. É só meu
corpo que não está presente",
brinca a mãe.
Para as gêmeas Giovanna e Gabriela Faria, 9, o celebrado programa tem função familiar fundamental: elas se comunicam com a
mãe, que trabalha e vive no Japão
há mais de oito anos, dessa forma.
"Não sinto tanta saudade porque
falo com ela e a vejo todo dia",
conta Giovanna. "A gente usa
MSN, microfone e câmera", completa a irmã.
Nesses oito anos, Jacqueline Faria, 32, só veio ao Brasil cinco vezes. "É difícil ver minhas filhas
crescendo pelo computador, mas
ao menos temos esse meio de comunicação rápido e razoavelmente barato. A vida aqui é muito
corrida", conta a mãe, que trabalha num bar de Nagahama e há
três anos vê as garotas pela tela.
Cérebro novo
No mundo dos "imigrantes", a
lista de críticas ao mundo virtual
também é longa: os jovens usam
linguagem errada ("kem", "aki",
bjus" e similares piores), a rede
tem pornografia, permite o acesso
a gente desconhecida e perigosa,
há outras mil e uma coisas para
distrair da lição de casa...
"Tudo depende da maneira como o computador é usado e, se os
pais e as escolas continuarem a ignorá-lo ou acusá-lo, mais e mais
crianças aprenderão a mexer nele
com propósitos errados", diz o
educador americano Seymour
Papert, 77, pesquisador do MIT
(Instituto de Tecnologia de Massachusetts) e idealizador dos laptops a US$ 100, projeto que a Organização das Nações Unidas declarou apoiar no último Fórum
Mundial de Davos. Papert diz que
a tecnologia afeta positivamente o
avanço intelectual das crianças.
E há mais uma vantagem do
mundo virtual, a tecla que todo
mundo gostaria de transportar
para a vida real: a do "undo",
aquela que permite desfazer as
bobagens que se fez.
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