São Paulo, terça-feira, 05 de fevereiro de 2008

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Grupos de maracatu tomam caipirinha de cachaça e pólvora

Fernando Donasci / Folha Imagem
MARACATU ATÔMICO Trabalhador rural vestido em trajes do tradicional Carnaval de maracatu rural em Nazaré da Mata, a 70 km de Recife


FÁBIO GUIBU
DA AGÊNCIA FOLHA, EM NAZARÉ DA MATA (PE)

Rituais místicos de preparação que incluem abstinência sexual e ingestão de cachaça com pólvora e limão fazem parte da tradição de um dos mais bonitos espetáculos do Carnaval pernambucano, o desfile dos maracatus rurais, realizado ontem, em Nazaré da Mata (a 65 km de Recife).
Tratados com discrição pelas agremiações, esses rituais acontecem longe dos olhos dos foliões. Ninguém sabe ao certo como surgiram, mas os costumes, passados de pai para filho, são seguidos por todos até hoje com fervor quase religioso.
O mais antigo grupo de maracatu rural, o Cambinda Brasileira, está em atividade desde o início do século 20, há 90 anos, e sua preparação começa muito antes de os integrantes dos maracatus vestirem suas fantasias coloridas e pesadas.
A cachaça com limão e pólvora é tomada pelos homens no dia da apresentação. "É só um dedinho no copo com uma pitada de pólvora", disse à Folha o servente Cleonildo José da Silva, 44, caboclo-de-lança do maracatu Cambinda de Prata. "Dá energia e força para carregar a fantasia."
Personagem mais conhecido dos maracatus rurais, os caboclos-de-lança dançam e fazem evoluções usando uma grande peruca colorida e um manto bordado com lantejoulas. A fantasia, construída sobre uma armação de madeira, possui sinos de ferro na base e chegam a pesar 30 quilos.
"É preciso ter força para carregar isso tudo, e a cachaça com pólvora deixa as juntas da pessoa molinhas", afirmou o aposentado Manoel da Silva, 67, presidente da agremiação Leão Cultural.
As histórias sobre a ingestão da mistura são quase tão antigas quanto a própria cachaça. Ela teria sido recomendada como remédio para falta de coragem nas guerras Cisplatina, do Paraguai e de Canudos.
A mistura também foi citada pelo historiador e folclorista Luiz da Câmara Cascudo (1898-1986) em seu livro "Prelúdio da Cachaça" (1968).
Ouvido pela reportagem, o clínico-geral César Barros da Silveira disse, em Recife, que, apesar de nunca ter tratado de caso semelhante, acredita que, da forma como é ingerida pelos integrantes dos maracatus -em doses pequenas e esporádicas-, a pinga com pólvora não causa problemas.
Além disso, pelo menos 15 dias antes, os integrantes dos maracatus evitam manter relações sexuais. "Se o folgazão [integrante] fizer [sexo], pode sofrer dor, até cair na rua", disse o caboclo-de-lança do Cambinda de Prata.
Para o presidente da agremiação Leão Cultural, quebrar a abstinência "dá disenteria no povo todo". "Já aconteceu com a gente, e descobrimos depois que uma pessoa fez sexo antes da apresentação", disse.


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