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São Paulo, quarta-feira, 05 de março de 2003

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VIOLÊNCIA

Segundo militares, Faria furou bloqueio; irmã da namorada diz que vítima temia ser alvo de armação de criminosos

Exército mata professor em blitz no Rio

SABRINA PETRY
DA SUCURSAL DO RIO

HENRI CARRIÈRES
FREE-LANCE PARA A FOLHA

O professor de inglês Frederico Branco de Faria, 56, foi morto ontem no Rio de Janeiro ao passar por uma barreira do Exército. Ele é a primeira pessoa morta pelos militares desde sexta-feira, quando começou a Operação Guanabara, montada para tentar conter a onda de violência da semana passada causada por traficantes.
Faria foi atingido por um tiro disparado por um militar por volta da 0h de ontem, em Tomás Coelho (zona norte do Rio). Ele dirigia seu carro, um Corsa azul, pela avenida Automóvel Club. O atestado de óbito registra que a bala perfurou o tórax e o abdome, causando lesões no coração, no baço, no rim esquerdo, nas alças intestinais e no fígado.
As versões são conflitantes, mas há uma unanimidade: um militar do Exército fez o disparo.
Para o Comando Militar do Leste, Faria teria furado um bloqueio da Polícia Militar e de um grupo de nove pára-quedistas do Exército e, por isso, foi alvejado.
Segundo registro feito na 44ª DP (Inhaúma), o professor foi vítima de bala perdida -teria passado numa troca de tiros entre militares do Exército e PMs contra traficantes do morro do Juramento.
É a versão também da Secretaria de Segurança Pública do Rio. "Numa operação de envergadura tão grande, é possível que fatos como esses ocorram", disse o secretário Josias Quintal. "Esse caso não vai fazer com que esse aparato não seja usado novamente."
Faria estava com a namorada, Rosângela Silva, 38, que nada sofreu. A irmã de Rosângela, Cleide, disse à Folha que os dois voltavam de um baile e iam para a casa dela, em Cascadura (zona norte).
A versão de Cleide se aproxima mais à do Comando Militar do Leste. "Eles não pararam na blitz. Eles se assustaram, pensando que podiam ser bandidos, que podia ser uma falsa blitz", disse a irmã de Rosângela por telefone. A Folha foi até a casa de Rosângela, mas a família disse que ela não falaria por estar muito chocada.
À noite, no Instituto Médico Legal, um irmão do morto, Luís Branco, disse não acreditar na versão de que o irmão não parou. "Estou abismado com esse tipo de coisa. Ele jamais faria isso. Mas, mesmo que não tivesse parado, não justifica isso aí [os tiros"."
Luís disse não conhecer Rosângela, que há três meses namoraria o irmão. Os irmãos moravam juntos havia 38 anos, em Vista Alegre (zona norte). Frederico era solteiro, sem filhos e professor de inglês do Estado, segundo o irmão.
Ele disse que Frederico teria sido atingido também, de raspão, na cabeça, por um tiro de fuzil. Não houve confirmação oficial. O tiro fatal não teria sido dado pelas costas, como dizem outras versões, mas numa posição mais lateral à vítima, conforme o irmão.
Nota do Comando Militar do Leste diz que, após Faria desobedecer à ordem para parar, dada por PMs, um tenente do Exército se colocou à frente do carro, "mas o motorista, prosseguindo no intuito de evadir-se, tentou atropelá-lo". Militares teriam dado tiros de advertência para o alto, que teriam sido desobedecidos. "Em consequência, dentro das normas previstas, foram efetuados [pelos militares" disparos contra o veículo infrator", diz a nota.
O Corsa foi atingido por três tiros, um no capô e dois na lataria, do lado do motorista. O delegado Avelino da Costa Lima Filho, que registrou o caso a partir do relato de um PM, afirmou que ele não tinha antecedentes criminais.
Uma ambulância do Exército levou Faria e a namorada para o hospital Salgado Filho, no Méier (zona norte), onde ele morreu. Um oficial identificado só como tenente Gomes, da 26ª Brigada de Infantaria Pára-quedista, foi o responsável pelo socorro.
Segundo o livro de ocorrências do hospital, Rosângela disse que "houve um grande tiroteio" ao passarem. Militares do Exército estavam na porta da DP e do Salgado Filho ontem. Faria será enterrado hoje, às 10h, no cemitério de Irajá, na zona norte do Rio. Ele era solteiro e não tinha filhos.
A Operação Guanabara começou na última sexta, com 39 mil homens, entre Forças Armadas, Polícia Federal, Polícia Civil, Polícia Militar e Guarda Municipal. Na semana passada, atentados de traficantes deixaram três mortos e 48 veículos incendiados.


Colaboraram Fernando Magalhães e Fabiana Cimieri, da Sucursal do Rio


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