São Paulo, sexta-feira, 05 de março de 2004

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CIDADANIA

Justiça determina que tabelionatos do Estado aceitem documentos que comprovem relacionamento estável

No RS, gay pode registrar união em cartório

ADRIANA CHAVES
DA AGÊNCIA FOLHA

Pessoas do mesmo sexo que tenham uma relação estável e duradoura -com ou sem compromisso patrimonial- já podem registrar documentos que confirmem sua "união e comunhão afetiva" nos Cartórios de Registros de Notas do Rio Grande do Sul.
Um parecer da Corregedoria Geral da Justiça do Estado, publicado no "Diário da Justiça" de anteontem, autorizou os cartórios dos municípios gaúchos a aceitarem os registros de pedidos feitos por casais homossexuais que queiram comprovar sua união.
Até a publicação da determinação, o registro dos documentos vinha sendo negado pelos cartórios sob a alegação de que não havia previsão legal nem orientação que regulamentasse a prática. Outro argumento usado pelos tabeliões era a falta de jurisprudência.
O parecer do corregedor-geral, o desembargador Aristides Pedroso de Albuquerque Neto, foi incluído em um parágrafo do artigo 215 da Consolidação Normativa Notarial Registral, que rege a atuação dos cartórios.
A medida levou em consideração um pedido de informações do Ministério Público do Estado para o fato de os tabelionatos de Porto Alegre não registrarem escritura pública de união estável e "homoafetiva". Albuquerque Neto estava viajando ontem e não concedeu entrevistas.
Em seu parecer, informou que "as pessoas plenamente capazes, independente da identidade ou oposição de sexo, que vivam uma relação de fato duradoura, em comunhão afetiva, com ou sem compromisso patrimonial, poderão registrar documentos que digam respeito a tal relação".
De acordo com o documento, "as pessoas que pretendam construir uma união afetiva na forma anteriormente referida também poderão registrar os documentos que a isso digam respeito".
Segundo a assessoria de imprensa do Tribunal de Justiça, como se trata de uma determinação administrativa, apenas uma ação judicial de alguém que se sinta atingido poderia invalidá-la.
O Rio Grande do Sul tem se notabilizado por medidas pioneiras beneficiando homossexuais, como o reconhecimento e a proibição de discriminação de pessoas de diferentes orientações sexuais e o pagamento de pensões a parceiros de uniões do mesmo sexo.
A medida de anteontem foi festejada por grupos ligados aos homossexuais. Para o coordenador da ONG Nuances, Célio Golin, "o registro oficial é um passo importante na luta para situações como a legalização de parceiros estrangeiros, adoção, questões trabalhistas e previdenciárias".
"É uma vitória que nos faz acreditar que, em breve, os cartórios estarão dando certidões de união civil para os casais homossexuais e não apenas um registro, embora isso também seja muito importante", disse Luiz Mott, fundador do Grupo Gay da Bahia.
"Em 2003, um professor universitário de Santa Maria (RS) tentou em dez cartórios de Porto Alegre registrar sua relação "homoafetiva" e só conseguiu na sua cidade natal. Depois de muito empenho e várias negativas, ele conseguiu, com o documento, uma bolsa de estudos para seu parceiro. Isso está mudando", disse Mott.
O comissário de bordo Paulo Ricardo Garcia Carneiro, 29, planeja registrar sua união de mais de cinco anos com o agente de viagens Sarid Ait El Hadj, 27, "o mais breve possível". "Se não der tempo hoje [ontem], oficializaremos nossa relação amanhã [hoje] de manhã."
A educadora Silvana Conti, 40, também planeja registrar sua união com a funcionária pública Helena Ursolini, 45. "É um jeito de compartilhar as coisas que a gente construiu nesses três anos em que estamos juntas. Não queremos privilégios, apenas os direitos que os heterossexuais têm."

Memória
Em janeiro de 2003, a ONG Grupo Gay da Bahia (GBB) lançou o registro de uniões homossexuais.
Reconhecido pelo INSS (Instituto Nacional de Seguridade Social), segundo o GGB, o cadastro passou a permitir o acesso dos homossexuais a benefícios como o recebimento de pensões de companheiros após a sua morte.
O registo é gratuito e o casal deve apresentar cinco testemunhas, e registrar o documento em um cartório de notas. Mais de 30 contratos já foram assinados.
Segundo Mott, além de Salvador, a iniciativa já está funcionando em Curitiba, São Paulo, Rio de Janeiro e Natal.


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