São Paulo, domingo, 05 de março de 2006

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DANUZA LEÃO

Um futuro difícil

Não sou a rainha da informática, longe disso; na realidade, sou uma tragédia. Meu filho quis me dar um IPod, e quando foi me mostrar o quanto é fácil lidar com essa estranha coisa, aos primeiros sete minutos de aprendizado agradeci e recusei. Não dá; um IPod, que é manejado com a maior perícia por uma criança de 6 anos, é demais para minha frágil cabeça. Escrevo num computador -o mínimo possível- porque aprendi na marra, e que ninguém tente me ensinar como escanear uma foto ou coisas do gênero. Computador para mim é para mandar e receber textos e e-mails, e estamos conversados. IPod? Nem morta. E tem mais: mandei desativar a caixa postal do meu celular. Se alguém me ligar e ele estiver na minha bolsa, o que aliás é raro, eu atendo. Celular para mim é um telefone comum, daqueles bem de antigamente, que recebe e faz chamadas (para eu não ter que ir a um orelhão), e está mais que bom. E nem me fale dos que tiram fotos, mandam mensagens e se comunicam pela internet, que sou capaz de desmaiar na hora. Isso para não falar de pessoas que passam horas no computador falando com quem não conhece, mentindo e ouvindo mentiras, e perdendo a coisa mais preciosa que existe na vida que é o tempo. Convenhamos: andam exagerando, e minha pergunta é aquela que minha avó fazia: onde é que vamos parar?
Mas cada dia surge uma novidade: outro dia um amigo que entende dessas maravilhas -e quem não entende, fora eu?- me contou que existe uma coisa nova (que não sei o nome, naturalmente) que se acopla no computador e você fala - não escreve, fala mesmo - com um amigo que está em São Paulo, Nova York ou Pequim, e vendo, na tela, o rosto do outro. E mais: de graça. Com essa novidade de ouvir a voz da pessoa vendo a cara dela, onde é que fica a saudade? É claro que nada vai substituir um abraço apertado, ficar de mãos dadas, um cheiro no cangote (por enquanto), mas que saudades do tempo em que se tinha saudades de verdade, em que se escrevia cartas, que pela letra no envelope se sabia se era ou não dele, ah, como era bom. E um telegrama dizendo que ele ia chegar?
Existem coisas que quase não se faz mais: ir ao aeroporto levar ou buscar uma pessoa, por exemplo, por mais amada que ela seja. É o trânsito, o perigo dos assaltos, o estacionamento, a falta de tempo, os aviões que atrasam e -vamos admitir- o comodismo. Mas como se pode amar de verdade esperando em casa, no meio de todos os confortos, que a pessoa amada simplesmente chegue e aperte a campainha, essa coisa tão simples? Os entregadores de supermercado, da farmácia, do correio, tocam a campainha da mesma maneira, o som é o mesmo, e quando você está esperando pelo homem amado pode ser que chegue uma notificação da Receita Federal dizendo que você caiu na malha fina. E a emoção? E o coração disparado? Mas no tempo em que se ia ao aeroporto e ele aparecia cansado, procurando por você e você por ele e os olhos se encontravam, existia coisa melhor?
E quando o telefone tocava e você atendia esfogueada, sem saber se era ele ou não, e quando era, saber que a felicidade ainda existe? E as surpresas que você tinha de receber um telefonema de pessoas que andavam esquecidas e que apareceram de repente, do nada, depois de uma longa ausência, isso quando ainda não existia o tal do bina?
A tecnologia -e é uma nova por dia- está acabando com o inesperado, com o imprevisto, e o que são os sentimentos, bons ou ruins, frustrantes ou maravilhosos, se uma maquininha já anuncia o que vem por aí?
E o que vai ser da saudade e o que vai ser do amor?


E-mail - danuza.leao@uol.com.br


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