|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
DANUZA LEÃO
Um futuro difícil
Não sou a rainha da informática, longe disso; na realidade, sou uma tragédia. Meu filho quis me dar um IPod, e quando foi me mostrar o quanto é fácil
lidar com essa estranha coisa, aos
primeiros sete minutos de aprendizado agradeci e recusei. Não dá;
um IPod, que é manejado com a
maior perícia por uma criança de
6 anos, é demais para minha frágil cabeça. Escrevo num computador -o mínimo possível- porque aprendi na marra, e que ninguém tente me ensinar como escanear uma foto ou coisas do gênero. Computador para mim é para
mandar e receber textos e e-mails,
e estamos conversados. IPod?
Nem morta. E tem mais: mandei
desativar a caixa postal do meu
celular. Se alguém me ligar e ele
estiver na minha bolsa, o que aliás
é raro, eu atendo. Celular para
mim é um telefone comum, daqueles bem de antigamente, que
recebe e faz chamadas (para eu
não ter que ir a um orelhão), e está mais que bom. E nem me fale
dos que tiram fotos, mandam
mensagens e se comunicam pela
internet, que sou capaz de desmaiar na hora. Isso para não falar
de pessoas que passam horas no
computador falando com quem
não conhece, mentindo e ouvindo
mentiras, e perdendo a coisa mais
preciosa que existe na vida que é o
tempo. Convenhamos: andam
exagerando, e minha pergunta é
aquela que minha avó fazia: onde
é que vamos parar?
Mas cada dia surge uma novidade: outro dia um amigo que entende dessas maravilhas -e
quem não entende, fora eu?- me
contou que existe uma coisa nova
(que não sei o nome, naturalmente) que se acopla no computador e
você fala - não escreve, fala mesmo - com um amigo que está em
São Paulo, Nova York ou Pequim,
e vendo, na tela, o rosto do outro.
E mais: de graça. Com essa novidade de ouvir a voz da pessoa
vendo a cara dela, onde é que fica
a saudade? É claro que nada vai
substituir um abraço apertado, ficar de mãos dadas, um cheiro no
cangote (por enquanto), mas que
saudades do tempo em que se tinha saudades de verdade, em que
se escrevia cartas, que pela letra
no envelope se sabia se era ou não
dele, ah, como era bom. E um telegrama dizendo que ele ia chegar?
Existem coisas que quase não se
faz mais: ir ao aeroporto levar ou
buscar uma pessoa, por exemplo,
por mais amada que ela seja. É o
trânsito, o perigo dos assaltos, o
estacionamento, a falta de tempo,
os aviões que atrasam e -vamos
admitir- o comodismo. Mas como se pode amar de verdade esperando em casa, no meio de todos
os confortos, que a pessoa amada
simplesmente chegue e aperte a
campainha, essa coisa tão simples? Os entregadores de supermercado, da farmácia, do correio,
tocam a campainha da mesma
maneira, o som é o mesmo, e
quando você está esperando pelo
homem amado pode ser que chegue uma notificação da Receita
Federal dizendo que você caiu na
malha fina. E a emoção? E o coração disparado? Mas no tempo em
que se ia ao aeroporto e ele aparecia cansado, procurando por você
e você por ele e os olhos se encontravam, existia coisa melhor?
E quando o telefone tocava e
você atendia esfogueada, sem saber se era ele ou não, e quando
era, saber que a felicidade ainda
existe? E as surpresas que você tinha de receber um telefonema de
pessoas que andavam esquecidas
e que apareceram de repente, do
nada, depois de uma longa ausência, isso quando ainda não
existia o tal do bina?
A tecnologia -e é uma nova
por dia- está acabando com o
inesperado, com o imprevisto, e o
que são os sentimentos, bons ou
ruins, frustrantes ou maravilhosos, se uma maquininha já anuncia o que vem por aí?
E o que vai ser da saudade e o
que vai ser do amor?
E-mail - danuza.leao@uol.com.br
Texto Anterior: UNE vende carteirinha para não-estudante Próximo Texto: Há 50 anos Índice
|