UOL


São Paulo, sábado, 05 de abril de 2003

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

LETRAS JURÍDICAS

Mínimo é menos que o mínimo

WALTER CENEVIVA
COLUNISTA DA FOLHA

Dizer qual é o valor mínimo necessário para a satisfação das necessidades do trabalhador e de sua família fica fora do campo do Direito. É problema da sociologia, da saúde e depende de um grande número de fatores. Todavia o segmento jurídico dedica atenção ao assunto na Constituição, dando o tema para a coluna nesta semana em que o governo anuncia o novo salário mínimo, na casa dos R$ 240. Um exemplo muito enganoso, mas, mesmo assim, provido de certa curiosidade, mostra a dificuldade de situar a questão. Tomemos uma família composta pelo casal e mais três filhos. Se resolverem viver exclusivamente tomando três refeições ao dia, na base de um cafezinho e um pão francês para cada um deles, consumirão, em um mês, 450 cafés e 450 pães. Os primeiros custarão R$ 450 e os segundos R$ 135, ou seja, mais do dobro do salário mínimo proposto. Claro, o exemplo é falso, mas permite, ainda assim, mostrar o salário mínimo como mero exercício ficcional e, pior ainda, um pouco para o lado da tragédia humana (se não for comédia).
Indo à lei vigente, podemos demonstrar a inocuidade do salário mínimo oficial. O artigo 6º da Constituição afirma que o trabalhador deve ter acesso, com sua família, aos seguintes direitos sociais: educação, saúde, trabalho, moradia, lazer, segurança, previdência social, proteção à maternidade e à infância, além de assistência aos desamparados. Os direitos específicos dos trabalhadores urbanos e rurais estão no artigo 7º. São providos de alguma realidade porque, desde as inovações introduzidas por Getúlio Vargas, há mais de 60 anos, foram sendo incorporados aos nossos usos e costumes. A realidade não aparece, porém, no inciso IV desse artigo, referente ao salário mínimo. A Constituição começa por afirmá-lo nacionalmente unificado. Anteriormente, havia escalonamento compatível com a diferença do custo de vida nas regiões brasileiras e com a remuneração média do trabalhador (a renda anual "per capita"). A uniformidade nacional homenageia a igualdade de todos perante a lei, o que, em se tratando dos trabalhadores de remuneração mais baixa, é especialmente importante.
A Carta Magna quer mais a respeito do salário mínimo. Deve ser capaz de atender as necessidades vitais básicas do trabalhador e de sua família, as quais incluem moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social. Exige ainda reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo. Para ficarmos neste último item, embora a taxa inflacionária tenha sido substancialmente reduzida, é manifesto que alguma inflação existe. Sendo os reajustes do mínimo feitos anualmente, é claro que, no fim do período de 12 meses, os R$ 240 de agora terão poder aquisitivo muito menor.
Por que, apesar de todas as deficiências apontadas, o constituinte manteve a definição no texto constitucional e até mesmo o alterou para acrescentar, com a emenda nº 16, de 2000, o direito à moradia? Porque se trata de norma programática, de ideal a perseguir, que sirva ao mesmo tempo de parâmetro, embora distante, da determinação dos valores a serem pagos. Não é norma coercitiva de direito, imponível pelos tribunais. Até porque, se a levassem a sério, provocariam a quebradeira geral da previdência e de grande parte dos municípios brasileiros. Nesse assunto, portanto, continuaremos no campo da ficção. Ou, se preferirem, do fingimento.


Texto Anterior: Campos decreta emergência
Próximo Texto: Trânsito: GP muda mão de ruas e fecha via em Interlagos
Índice


UOL
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.