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LETRAS JURÍDICAS
Mínimo é menos que o mínimo
WALTER CENEVIVA
COLUNISTA DA FOLHA
Dizer qual é o valor mínimo necessário para a satisfação das necessidades do trabalhador e de sua família fica fora
do campo do Direito. É problema
da sociologia, da saúde e depende
de um grande número de fatores.
Todavia o segmento jurídico dedica atenção ao assunto na Constituição, dando o tema para a coluna nesta semana em que o governo anuncia o novo salário mínimo, na casa dos R$ 240. Um
exemplo muito enganoso, mas,
mesmo assim, provido de certa
curiosidade, mostra a dificuldade
de situar a questão. Tomemos
uma família composta pelo casal
e mais três filhos. Se resolverem
viver exclusivamente tomando
três refeições ao dia, na base de
um cafezinho e um pão francês
para cada um deles, consumirão,
em um mês, 450 cafés e 450 pães.
Os primeiros custarão R$ 450 e os
segundos R$ 135, ou seja, mais do
dobro do salário mínimo proposto. Claro, o exemplo é falso, mas
permite, ainda assim, mostrar o
salário mínimo como mero exercício ficcional e, pior ainda, um
pouco para o lado da tragédia humana (se não for comédia).
Indo à lei vigente, podemos demonstrar a inocuidade do salário
mínimo oficial. O artigo 6º da
Constituição afirma que o trabalhador deve ter acesso, com sua
família, aos seguintes direitos sociais: educação, saúde, trabalho,
moradia, lazer, segurança, previdência social, proteção à maternidade e à infância, além de assistência aos desamparados. Os direitos específicos dos trabalhadores urbanos e rurais estão no artigo 7º. São providos de alguma
realidade porque, desde as inovações introduzidas por Getúlio
Vargas, há mais de 60 anos, foram sendo incorporados aos nossos usos e costumes. A realidade
não aparece, porém, no inciso IV
desse artigo, referente ao salário
mínimo. A Constituição começa
por afirmá-lo nacionalmente unificado. Anteriormente, havia escalonamento compatível com a
diferença do custo de vida nas regiões brasileiras e com a remuneração média do trabalhador (a
renda anual "per capita"). A uniformidade nacional homenageia
a igualdade de todos perante a lei,
o que, em se tratando dos trabalhadores de remuneração mais
baixa, é especialmente
importante.
A Carta Magna quer mais a respeito do salário mínimo. Deve ser
capaz de atender as necessidades
vitais básicas do trabalhador e de
sua família, as quais incluem moradia, alimentação, educação,
saúde, lazer, vestuário, higiene,
transporte e previdência social.
Exige ainda reajustes periódicos
que lhe preservem o poder aquisitivo. Para ficarmos neste último
item, embora a taxa inflacionária
tenha sido substancialmente reduzida, é manifesto que alguma
inflação existe. Sendo os reajustes
do mínimo feitos anualmente, é
claro que, no fim do período de 12
meses, os R$ 240 de agora terão
poder aquisitivo muito menor.
Por que, apesar de todas as deficiências apontadas, o constituinte
manteve a definição no texto
constitucional e até mesmo o alterou para acrescentar, com a
emenda nº 16, de 2000, o direito à
moradia? Porque se trata de norma programática, de ideal a perseguir, que sirva ao mesmo tempo
de parâmetro, embora distante,
da determinação dos valores a serem pagos. Não é norma coercitiva de direito, imponível pelos tribunais. Até porque, se a levassem
a sério, provocariam a quebradeira geral da previdência e de grande parte dos municípios brasileiros. Nesse assunto, portanto, continuaremos no campo da ficção.
Ou, se preferirem, do fingimento.
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